21 de jan. de 2016

Não uso mais biquíni

Ano passado tomei uma decisão importante: não uso mais biquíni. A praia é o lugar em que as desigualdade de gênero ficam evidentes, como um Apartheid: pessoas com pênis usam sunga e pessoas com vagina usam biquíni. 
Sempre detestei biquíni mas nunca consegui expressar bem o porquê, mas era como se aqueles poucos centímetros quadrados me penetrassem a alma furando minha dignidade. Não tinha vocabulário para me defender, só tinha a raiva. Uma raiva que foi me consumindo e me separando das pessoas. Me isolei. Não conseguia explicar. Não tinha as palavras na minha boca, mas o mal-estar me consumia.

Por Ariel Nobre

Achava as marcas de sol em mim uma grande derrota, uma cafonice sem fim. Quando me olhava no espelho, sentia vontade de vomitar por me achar tão idiota. De uns tempos pra cá, adotei a sunga. É muito mais confortável e não fere a minha alma. Não tem fio me cortando debaixo do sovaco e nem marquinha cafona. Mas tem outras coisas.

Tem o perigo de agressão constante, tem pessoas que não me convida mais para suas piscinas, tem expulsão. Quando fico de sunga e meu peito é lido como feminino, sendo proibido e criminalizado, faço um convite. Eu te convido a aceitar o SEU corpo e a me ajudar a aceitar o meu. Te convido a cooperar com a ocupação dos corpos trans nos espaços de convivência. Te convido a entender que peito e boceta são partes do corpo humano como outras qualquer. Te convido a respeitar os direitos das mulheres e te convido a mudar a seguinte realidade: o Brasil é o país que mais mata trans no mundo.

O verão pode ser bem barra pra quem sempre escutou que o próprio corpo é errado. A estação tem esse apelo de celebração corporal, mas como faz isso quem é ensinado a se odiar? Sim, porque o que mata a gente é o ódio e ele vem de todos os lados. Da sociedade, da escola, da família… E chega tão perto que entra na gente.

Me abrir aqui, nessa coluna, é um ato de amor próprio e aos meus iguais. Eu não acho justo que nessa época do ano, que é tão BIZARRAMENTE quente em nosso país, parte da população seja simplesmente proibida de ocupar as piscinas públicas e as praias. Quantos homens trans você já viu na praia? O que parece é que para ocupar esse espaço de mínimo frescor a gente precisa ser obrigado a se vestir e comportar como pessoas CISgêneras, o que não somos. É real, não nos identificamos com o gênero que nos obrigaram a viver. E gênero, meu amor, está no biquíni e na sunga.

Quero aproveitar esse espaço para agradecer a todas as pessoas que não me deixaram ser espancado nas praias cariocas, que cooperaram comigo, que sentaram perto, que me enviaram olhares de suporte. Em especial, agradeço às mulheres. Não teria a coragem de tirar a camiseta se não tivesse vocês por perto. E para quem não entendeu ainda, a imagem é a seguinte: tenho peito, vagina e uso sunga na praia. Sou homem trans e não quero morrer de calor. Só isso. Não quero chocar ninguém. Quero ir a praia, me divertir. Eu, Ariel Nobre, 28 anos, me autorizo a vestir roupas adequadas ao meu gênero em espaços públicos. #Transvivo ou morte!

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