28 de fev. de 2016

A Defensoria Pública do interesse particular.

Foto MICHAEL MELO/METRÓPOLES
Defensoria Pública aluga edifício de deputado e cria cargos para favorecer outro distrital em troca de “poderes irrestritos”
Defensor alugou edifício da família de Rafael Prudente (PMDB) e nomeou três servidores ligados a Celina Leão (PPS). Em recompensa, conseguiu o apoio para derrubar vetos do GDF

A Defensoria Pública tem por dever legal a obrigação de cuidar dos interesses da população. Mais ainda. O órgão, que faz parte do aparato do governo, advoga para os menos favorecidos, aqueles que não têm condições de, por conta própria, bancarem seus defensores.

Mas medidas corporativas, lideradas pela chefia do órgão, vão na trilha oposta da vocação da Defensoria Pública do Distrito Federal. Ao que tudo indica, boa parte da energia despendida pelo presidente do órgão, Ricardo Batista, tem sido para defender seus interesses próprios e os corporativos.

Com o firme propósito de permanecer à frente do chefia do órgão, Batista bateu à porta Câmara Legislativa, a casa do povo. Mais uma vez, no entanto, o cidadão não era exatamente o foco de sua investida. O defensor público de carreira buscava apoio político para sua meta de correr atrás de privilégios para a Defensoria e, como consequência, se fortalecer no cargo que hoje ocupa.

E, como o Metrópoles mostrará didaticamente, os objetivos de Batista e de seu grupo político têm sido encaminhados como planejado. Assim, por enquanto, quem sai ganhando são alguns deputados distritais, o próprio Batista e a categoria de defensores. E quer saber dos interesses do cidadão? Cada um que defenda o seu.

Mudança de sede
A direção da Defensoria tomou recentemente a decisão de mudar sua sede de atendimento. Atualmente, 150 defensores e servidores despacham em um endereço do Setor Comercial Sul (SCS). Mas, em breve, eles vão se mudar para um prédio mais confortável para eles, é verdade, porém bem mais afastado da população. E com aluguel duas vezes mais caro do que o pago atualmente.

Se a mudança é vantajosa para os defensores, mais ainda para o proprietário do edifício — até a negociação com a Defensoria, o imóvel era mantido fechado. O novo prédio fica em uma área destinada ao Pró-DF (Trecho 17, Rua 07, lote 45), e está em nome da empresa Multi Segurança Eletrônica Patrimonial Ltda. No contrato, Gessilene Feitosa Cabral aparece como sócia administrativa da empresa. O nome dela está também nos documentos da 5 Estrelas Sistema de Segurança Ltda, pertencente ao ex-deputado Leonardo Prudente, aquele com o hábito de guardar dinheiro nas meais e que acabou flagrado pela Operação Caixa de Pandora.

Atualmente, o representante político da família de Leonardo é o filho dele Rafael. Deputado distrital de primeiro mandato, Rafael Prudente (PMDB) é vice-presidente da Comissão de Economia, Orçamento e Finanças da Câmara Legislativa, por onde tramitam todos os projetos que envolvam dinheiro.

O contrato de aluguel entre a Defensoria e a empresa ligada à família Prudente é de R$ 1.538.784,35, ou R$ 125 mil por mês, pouco mais que o dobro dos R$ 60,8 mil pagos por mês à administração do Edifício Zarife, na Quadra 4 do Setor Comercial Sul. A mudança de endereço foi publicada no Diário Oficial do DF em 22 de dezembro de 2015 e deve ser realizada nos próximos dias.
Ricardo Batista e Celina Leão
Arquivo pessoal


Nomeações em troca de poderes irrestritos
Em outro movimento ganha-ganha, o comando da Defensoria trocou favores, desta vez, com a presidência da Câmara Legislativa. O órgão conquistou um feito para lá de difícil, que depende de muita articulação política.

Conseguiu derrubar quatro vetos do governador Rodrigo Rollemberg (PSB) com a ajuda dos deputados distritais. Um desses vetos retira poderes do chefe do Executivo e os transfere para as mãos do chefe da Defensoria. O outro, libera R$ 28 milhões para bancar a chamada jornada ampliada, o que repercutirá, claro, em aumento de remuneração para a categoria e despesa para os cofres públicos.

Pagamento adiantado
Cinco dias antes de os vetos de Rollemberg serem derrubados pelos distritais, a presidente da Câmara, Celina Leão (PPS), foi atendida com três cargos na estrutura da Defensoria. Para acomodar os servidores indicados pela deputada, o comando do órgão fez uma verdadeira engenhoca administrativa.

Coube ao defensor público-geral substituto, Fernando dos Santos Ribeiro, assinar e publicar a Portaria nº 34/2016. Vale frisar que o veto dando amplos poderes ao comando da Defensoria ainda não havia sido aprovado, portanto criar e extinguir cargos dependia, naquele momento, exclusivamente de um decreto do governo.

Mas, usando como expediente uma portaria, Ribeiro, nomeado por Barbosa, extinguiu quatro cargos do quadro da defensoria e criou outros dois. Ou seja, quatro pessoas foram mandadas embora para que os três nomes ligados a Celina fossem acomodados no organograma da Defensoria Pública.

No mesmo dia das exonerações, foi nomeado Erotides Souza de Almeida Júnior, para exercer o cargo de assessor de gabinete com um CNE-4, com salário de R$ 8.923,74. Erotides é irmão de Jael Almeida de Carvalho, chefe de gabinete de Celina Leão. Em 2012, Jael e Erotides tiveram problemas com nepotismo na Câmara. Jael já trabalhava com Celina, e Erotides estava lotado no bloco do PSD, o que feria ao Ato da Mesa nº 90/2011, publicado no Diário da Câmara Legislativa.

Para o outro cargo criado, foi nomeado Edimar Souza Lima. Ele fez campanha para a deputada. Era lotado na Coordenação de Orçamento e Finanças da Casa Civil, Relações Institucionais e Sociais do DF, o coração do governo. Edimar deixou um CNE-6, de R$ 5.855,82, para assumir um CNE-4, de R$ 8.923,74.

Além de Erotides, Kimberlly Cavalcante de Andrade Oliveira, filha de Irene Cavalcante de Andrade, também foi nomeada como assessora técnica de atendimento judiciário. Irene é ex-assessora de imprensa de Celina Leão e é bastante ligada à distrital. Hoje, ela atua na Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (Adasa), com um CA-2, o que significa salário de R$ 8.580,80. Ela foi nomeada em 26 de agosto de 2015 pelo então presidente Vinícius Benevides, outro amigo de Celina.

Decidir a pauta é prerrogativa da presidência da Câmara. Nesse caso específico, houve um acordo no colégio de líderes. No dia em que os vetos que interessam à Defensoria foram derrubados (foram 16 votos favoráveis e oito ausências), existiam outros 139, alguns com “teia de aranha”, referentes, inclusive, a legislaturas passadas.

A decisão do governador de barrar o projeto que confere amplos poderes ao comando da Defensoria Pública é embasada no discurso da falta de dinheiro. Embora a Defensoria seja um órgão administrativamente autônomo, o cofre que banca qualquer alteração financeira na instituição é o do tesouro do GDF. Rollemberg queria evitar justamente o que os deputados ofereceram de bandeja para o comando da Defensoria.

Ao derrubarem os vetos que favoreceram os interesses do comando da Defensoria Pública, os distritais atropelaram um parecer do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Na quinta-feira (25/2), os conselheiros do TCDF confirmaram, por unanimidade, o parecer de Ignácio Magalhães que já negava o pedido cautelar feito pela Defensoria para garantir amplos poderes ao órgão. Em seu despacho, Magalhães não só negou o pedido, como mandou que se investigasse o fato.

O outro lado
A presidente da Câmara, Celina Leão, nega as acusações e afirma que é uma “irresponsabilidade” ligar o nome dela às três pessoas nomeadas na Defensoria. “Dos três, só conheço o irmão da Jael. Mas ele não é minha indicação, não existe indicação na Defensoria”, disse. Segundo a parlamentar, todos os anos existem derrubadas de veto à favor da Defensoria. “Eles precisam ficar mendigando o orçamento. É um absurdo o governo contingenciar orçamento para um órgão que defende o povo”, completou.

Porém, apesar ter afirmado não conhecer as nomeadas, no Facebook é possível ver fotos da distrital ao lado de Kimberlly Cavalcante durante eventos de campanha.
Distrital ao lado de Kimberlly Cavalcante
Reprodução Facebook

O deputado Rafael Prudente também ressaltou a importância da Defensoria e lembrou que está afastado das negociações comerciais desde 2014. “Eu não sou proprietário dessa empresa, não fiz nenhuma negociação com a Defensoria. Não conheço essa pessoa que está como proprietária. Tenho o maior respeito pela Defensoria e pelo trabalho realizado por eles.”

De acordo com o defensor público-geral do DF, Ricardo Batista Sousa, a mudança do Setor Comercial Sul é necessária por uma série de problemas. Segundo ele, o contrato anterior havia vencido e precisava de renovação. Além disso, a administração da Defensoria estaria instalada hoje em um local muito antigo, com instalações elétricas velhas, sem estacionamento e com espaço físico o insuficiente para o trabalho da Defensoria. Além disso, ressaltou que o Setor Comercial ficou perigoso e insalubre. Relata furtos, roubos, a presença de baratas e ratos.

Segundo ele, foi lançado um edital de consulta pública para verificar prédios em condições de receber a nova sede. “Foram analisados diversos critérios: o primeiro deles, o menor preço por metro quadrado; o segundo, área suficiente para abrigar todos os setores administrativos. Além de não haver o compartilhamento do prédio com outros inquilinos, o que prejudicava a segurança”, afirmou Batista.

O defensor disse ter recebido proposta de 16 empresas. “O prédio do SIA era o que oferecia um dos menores preços por metro quadrado e área suficiente para abrigar todos os setores com estacionamento. Mandamos fazer a avaliação técnica do imóvel. Se considerarmos o valor integral em um ano, ficou mais caro. Porém, em termos absolutos vamos economizar: não pagaremos mais taxa de condomínio, a manutenção do prédio será mais barata. Não tínhamos mais condições de permanecer do Setor Comercial Sul”, completou.

Sobre a empresa ser vinculada a Leonardo Prudente, ele disse não ter conhecimento da informação. “Nós temos o contrato social, a escritura do imóvel e não tem ninguém ligado a nenhum parlamentar ou pessoas do meio político. Somos rigorosos quanto a seguirmos os pareceres da procuradoria. No mercado imobiliário é difícil de identificar”, disse.

Sobre as nomeações
Quanto aos servidores nomeados em 19 de fevereiro, Ricardo Batista afirmou que foi uma escolha técnica, por competência, além de respeitar um trabalho de reformulação da Defensoria em retirar pessoas que não têm vínculo com o GDF para contratar servidores do quadro. “O Edimar trabalha na área de administração geral há muito tempo. O conheço há muito tempo e precisava de alguém com essas funções”, disse.

Erotides, segundo o defensor, tem ajudado a resolver problemas de natureza coletiva. “Não é possível deixar de contratar um funcionário porque ele é de direita, esquerda ou de centro. Às vezes terei servidores ligados a determinados deputados. Há servidores aqui dentro que indicam servidores de fora. O que conta é o trabalho e a competência”, garantiu Ricardo.

Incremento dos R$ 28 milhões
A verba liberada pelos parlamentares com a derrubada do veto será usada, segundo a chefia da Defensoria, para pagar, entre outras coisas, a ampliação da jornada de trabalho dos defensores de 30 horas para 40 horas.

“Ano passado, a Secretaria de Planejamento encaminhou à CLDF proposta orçamentária que não estava de acordo com aquilo que é assegurado pela LDO. Apresentamos à Câmara as razões pelas quais a lei estava sendo descumprida. A Câmara corrigiu por meio de emenda. O governador vetou. Nós pedimos que os deputados rejeitassem o veto para ficar de acordo com o que prevê a LDO”. afirmou Batista.

O veto não significa que o dinheiro estará disponível imediatamente, mas que a Defensoria tem autorização para gastar até esse valor. “A verba vai sair da reserva de contingência, que existe exatamente para isso”, completou Ricardo Batista.

No cargo há dois anos, Batista afirmou não saber se será candidato nas próximas eleições da Defensoria. A eleição é em março, e a campanha já começou. O defensor público-geral é nomeado pelo governador do DF, em 15 dias, depois de os colegas elegerem o mais votado de uma lista tríplice.

Considerações do GDF
De acordo com a assessoria de relações com a imprensa do Governo do Distrito Federal, o montante de cerca de R$ 30 milhões foi vetado em razão de cumprir a determinação legal que obriga a destinação de orçamento para reserva de contingência. “Sendo o orçamento um só, será preciso avaliar o impacto desse valor no planejamento de 2016”, informou o GDF por meio de nota. 

do Portal Metrópoles

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