22 de jul. de 2016

Por que as suspeitas de terrorismo no Brasil levantam tanta desconfiança

EXÉRCITO FAZ FILA EM SAGUÃO DO AEROPORTO TOM JOBIM, NO RIO DE JANEIRO
FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS
por João Paulo Charleaux
no Nexo Jornal
Anúncio de que célula do Estado Islâmico foi desbaratada antes da Olimpíada provoca críticas e revela incredulidade. Razões vão do ‘bate-cabeça’ das autoridades ao histórico distante de conflitos e atentados
A prisão de dez suspeitos de planejar um ataque terrorista durante a Olimpíada do Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (21), foi recebida menos com alívio do que com desconfiança e até com incredulidade de alguns setores, que viram na ação um espetáculo midiático de pouca consistência jurídica.

Em princípio, a revelação de que um plano secreto para atacar o maior evento esportivo do mundo foi abortado no Brasil seria motivo, ao mesmo tempo, de espanto e admiração, mas, o que se seguiu ao anúncio das prisões foi um debate no qual o governo, a Justiça e a polícia terminaram mais questionados do que apoiados.

Mesmo sabendo que existe a possibilidade real de um ataque terrorista no Brasil - como em qualquer outro lugar do mundo - muitos ainda veem essas suspeitas como exageradas e sem fundamento real. Por trás dessa desconfiança pode haver pelo menos quatro razões.

Autoridades foram contraditórias
A prisão de dez suspeitos de integrar o Estado Islâmico no Brasil foi seguida de declarações confusas, pouco conclusivas e até contraditórias por parte das principais autoridades envolvidas na operação.

De um lado, o comunicado expedido pela Justiça tratava de desenhar o grupo como uma ameaça real e iminente. Mas, ao mesmo tempo, ministros definiram o grupo como pequeno e amador, sem liderança ou capacidade real de articulação.

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse se tratar de “uma célula amadora sem nenhuma preparação”. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, foi ainda além. Para ele, era um caso de “porra-louquice”

Até o juiz responsável pelo caso, que autorizou as prisões temporárias, Marcos Josegrei da Silva, minimizou: “Não se está afirmando que há uma célula terrorista brasileira em plena atividade.”

Tanta nuance num assunto tão grave terminou por confundir os que esperavam uma posição coesa das autoridades frente a uma ameaça potencialmente tão grave.

Lei antiterror é polêmica
As prisões da Operação Hashtag foram as primeiras feitas com base na Lei Antiterror (nº 13.260/2016) no Brasil. Ela começou a ser discutida com mais força após as manifestações de junho de 2013 e, depois de meses de polêmica, foi finalmente sancionada em março.

Desde o início, ONGs de direitos humanos apontavam o que consideram excessos do texto da lei. Um deles é a interpretação elástica do que possa ser terrorismo e, junto com isso, a preocupação com o que venham a ser “atos preparatórios de terrorismo”.

As prisões foram efetuadas com base em dois artigos dessa lei. O artigo 5º é justamente o que menciona “atos preparatórios”. Posts em redes sociais, mensagens de celular e uma tentativa frustrada de comprar uma arma no Paraguai foram usadas para caracterizar o que seriam os “atos preparatórios” do grupo em questão. Mas nenhum desses atos se concretizou.

Em fevereiro, o Escritório para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos já havia dito que a lei brasileira tem definições “demasiado vagas e imprecisas, o que não é compatível com a perspectiva das normas internacionais de direitos humanos”.

A desconfiança da polícia
Outro fator que contribui para que a ameaça de terrorismo seja recebida com desconfiança é o fato de que, no Brasil, a polícia se envolve frequentemente na prisão ou na morte de inocentes. Esse uso ilegal ou excessivo da força provoca em muitos brasileiros uma primeira reação de cautela.

O próprio juiz do caso, Marcos Josegrei da Silva, deu a entender que as prisões foram efetuadas não porque haja convicção de culpa do grupo, mas para facilitar a investigação. “Diante dos elementos que surgiram e dessas afirmações, a melhor medida para terminar a investigação, judicialmente, foi essa [a prisão]”, disse.

Casos anteriores reforçam essa desconfiança. O mais conhecido deles é o da prisão do estudante e funcionário da USP Fábio Hideki, que passou 45 dias na cadeia, acusado de portar explosivos numa manifestação, em São Paulo, em junho de 2014. O jovem acabou solto e nada foi provado contra ele.

A diferença entre os casos é que a Operação Hashtag é conduzida pela Polícia Federal e as prisões em protestos, como a de Hideki, foram efetuadas pela Polícia Militar, num ano em que a Lei Antiterrorismo não estava em vigor. Porém, ambas compõem o aparato de segurança no Brasil e, especialmente na Olimpíada, trabalham de forma integrada, com o apoio adicional das Forças Armadas.

Último grande atentado foi há 35 anos
A geração atual não viveu nenhum grande atentato e conhece essa ameaça apenas pelos livros de história ou pelo noticiário internacional.

A última vez que um ataque ocorreu em grande local de aglomeração, num contexto de luta política, foi em 1981, no fim da ditadura militar, quando dois agentes do regime detonaram acidentalmente dentro do carro uma bomba que planejavam plantar num comício do Dia do Trabalhador no Pavilhão Rio Centro, no Rio de Janeiro.

A última guerra da qual o Brasil tomou parte com grandes efetivos militares foi em 1945, na Segunda Guerra Mundial e, antes disso, só em 1864, na Guerra do Paraguai. De lá para cá, a ameaça de conflito armado é mais associada ao exterior.

Além disso, o país não tem disputas de fronteira na América Latina e abriga de forma pacífica um mosaico de etnias, culturas e credos que, em outras partes do mundo, não convivem em paz.

Tudo isso faz parecer mais remota a possibilidade de um ataque terrorista de grandes proporções, por mais que os brasileiros convivam cotidianamente com a violência e o país tenha altas taxas de homicídio.

Desconfiança não é só no Brasil
Todos os países do mundo que lidam com ameaça terrorista enfrentam ao mesmo tempo um debate interno a respeito do que sejam medidas reais de precaução, e o que são medidas exageradas, que violam a privacidade e os direitos individuais do cidadão em nome de combater uma ameaça difusa e nem sempre existente.

A própria natureza do terror - de realizar ações furtivas e em pequena escala - dificulta a caracterização de quem sejam seus agentes. Eles não usam uniforme, nem portam armas abertamente. Por se mesclar com os civis, lançam sobre toda a população uma suspeita em potencial. Por isso, as autoridades policiais e os órgãos de inteligência caminham frequentemente entre o que sejam métodos legítimos e abusivos de monitoramento. É nesse espaço que crescem as críticas - legítimas ou exageradas.

Grupos terroristas como o Estado Isâmico se beneficiam deste desafio, fazendo uso de agentes isolados que vivem mesclados à população local, com os quais mantém apenas contato remoto pela internet. Além disso, o grupo tem reivindicado a autoria de ações com as quais talvez nem mantenha, de fato, conexão. Dessa forma, projeta um alcance maior do que possui, na realidade, e acaba justificando o dilema das autoridades, de andar entre a prudência e a paranoia.

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