15 de mai. de 2017

A deterioração da Petrobrás

Plataforma do Pré-sal. Foto: EBC
A deterioração da Petrobrás – o que está por trás dos testes de impairments ?

Fica claro o descompromisso da atual gestão com os desafios de longo prazo, deteriorando o papel central que a estatal tem como ferramenta do desenvolvimento nacional

por Cloviomar Cararine Pereira* na Revista Brasileiros

Nos últimos três anos um termo contábil tem se destacado nos resultados financeiros e operacionais da Petrobrás: impairment. Esse item tem influenciado diretamente nos prejuízos apresentados pela empresa em 2014, 2015 e 2016. Jornais, revistas especializadas no setor, acionistas e trabalhadores passaram a incorporar esse termo em seu vocabulário que, traduzido literalmente para o português, significa deterioração.

O teste de impairment é uma ferramenta contábil utilizada pelas empresas para avaliarem se os valores dos ativos (ou um conjunto deles) registrados em sua contabilidade podem ser recuperados em sua vida útil, de acordo com as suposições adotadas sobre os parâmetros econômicos (preço do petróleo, taxa de câmbio, reservas, etc.), relevantes no futuro.

A Petrobrás, entre os anos de 2010 e 2013, realizou testes de impairments, sendo que nesse período o valor máximo alcançado foi de R$1,2 bilhões em 2013. A partir de 2014, esta conta começou a ganhar destaque, não por coincidência, ano em que iniciaram as disputas e ataques da Operação lava-jato que dificultaram a publicação dos resultados dos balanços contábeis do 3º e 4º trimestre.

Quando o balanço da Petrobrás de 2014 foi publicado, chamou atenção a cifra de R$44,5 bilhões em impairment´s. Em 2015 e 2016, a empresa também apresentou impairments elevados, da ordem de R$47,6 bilhões e de R$20,3 bilhões, respectivamente. Nesses três anos a perda contábil acumulada foi de R$112,4 bilhões, valor 18 vezes maior que as baixas apresentadas pela empresa fruto da corrupção (R$6,2 bilhões).

A disparidade entre os valores contabilizados com impairments entre 2010-2013 e 2014-2016; o fato de nenhuma outra empresa do setor ter registrado uma elevação tão expressiva dos seus impairments; e o grau de subjetividade (e a falta de transparência) das premissas utilizadas para realização dos testes de impairment colocam em xeque a magnitude da depreciação dos ativos da Petrobrás.

É evidente que a queda no preço do barril de petróleo, as mudanças na taxa de câmbio e as revisões das reservas de petróleo e gás são elementos para adoção dos testes de impairment. A questão que está posta é a magnitude das perdas contábeis adotada pela Petrobrás entre 2014 e 2016. Pesquisas empíricas[1] evidenciam que, além dos fatores econômicos, os impairments no setor de petróleo e gás também são determinados por decisões discricionárias dos gestores associadas às estratégias de gerenciamento de resultados (earnings management) – quando um administrador adota uma política contábil para atingir determinados fins.

Nesse sentido, a questão dos impairments vai muito além da adoção de um critério objetivo contábil. Há um interesse gerencial/político por parte da atual administração da Petrobrás em separar (inflando os impairments) o desempenho da empresa em dois momentos, antes e pós setembro de 2016. A divulgação do novo plano de negócios e gestão, assim como a decisão de apresentar grandes baixas em impairments no 3º trimestre de 2016, fazem parte desta estratégia.

Outro questionamento diz respeito às escolhas dos ativos para realização dos testes impairment adotadas pela Petrobrás nos últimos 3 anos. Além de alguns ativos na área de refino, destacam-se a depreciação dos ativos no segmento de exploração e produção (E&P). Neste segmento foram contabilizadas perdas, nos 3 anos, de R$52,1 bilhões em impairments. Como justificativa a empresa argumentou que essas baixas derivam de revisão de preços do petróleo no mercado internacional, em queda nos anos de 2014 e 2015, assim como revisões geológicas de reservatórios de alguns campos, reduzindo assim as reservas e impactando nos fluxos de caixa dos projetos.

O primeiro argumento faz sentido, em parte, pois realmente vivenciamos uma forte queda no preço do barril de petróleo, de US$100,00 em setembro de 2014 para US$30,00 em janeiro de 2016, justificando as perdas em 2014 e 2015. Porém, em 2016, o preço do barril passou de US$30,00 em janeiro para US$50,00 em setembro, o que demonstra que as perdas contábeis com os impairments foram infladas.

Em relação às revisões das reservas de petróleo e gás, não fica claro nos documentos da empresa quais os parâmetros utilizados para essa redução, além do que há uma omissão de informações referentes às premissas escolhidas, tais como: produtividade esperada em cada poço e as taxas de recuperação destes. Isso demonstra falta de transparência na metodologia do cálculo dos impairments.

Nessa linha dois casos de testes de impairments realizados pela Petrobrás causam estranheza: campo de Papa-Terra com baixa de R$9 bilhões; e campo de Frade com baixa de R$1 bilhão. Nestes reservatórios a Petrobrás possui parceria com a petroleira americana Chevron. Ao consultar os balanços dessa empresa, não há nenhum impairments sobre esses dois campos[2].

Os contínuos processos de reavaliação (impairment) dos preços dos ativos realizados pela gestão da Petrobrás, principalmente no segmento de E&P, também parecem ter como objetivo a depreciação de seu valor (além dos fatores econômicos) a fim de atrair investidores estrangeiros para aquisição de tais ativos. Nos últimos anos, as condições para as vendas de ativos no setor de óleo e gás tornaram-se muito difíceis, seja pela redução dos investimentos que todas as petroleiras estão fazendo, ou pela aversão aos riscos destas empresas neste momento de baixa no preço do barril.

Além desta tentativa de atender aos interesses do mercado externo, o processo de contínuos e volumosos testes de impairment evidencia uma visão de curto prazo, imediatista na atual direção da Petrobrás, tendo como objetivo central a redução acelerada de sua alavancagem por meio da venda de ativos estratégicos (que poderiam gerar fluxo de caixa futuro) com valores mais baixos.   Assim, fica claro o descompromisso da atual gestão com os desafios de longo prazo, deteriorando o papel central que a Petrobrás tem como ferramenta do desenvolvimento nacional.

[1] Economista, técnico do DIEESE na subseção da FUP (Federação Única dos Petroleiros) e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP/FUP). E-mail: cloviomar@dieese.org.br

[2] Ver SANTOS, O. & SANTOS, A. & SILVA, P. Reconhecimento de perdas para redução ao valor recuperável de ativos: impairment em ativos de exploração e produção de petróleo. BBR. Brazilian Business Review (English Edition. Online), v. 8, p. 66-91, 2011.

[3] O campo de Papa-Terra é operado pela Petrobrás e tem a parceria da Chevron em 37,5%. No caso do Campo de Frade, a Chevron é a operadora e a Petrobrás possui 30% do campo.

Link curto: http://brasileiros.com.br/p9huW

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