"Todo culto da espontaneidade do movimento operário, toda diminuição do papel do "elemento consciente", do papel da social-democracia (dos comunistas), significa - quer se queira ou não - um reforço da influência da ideologia burguesa sobre os operários.
Todos aqueles que falam de "superestimação da ideologia", de exagero do papel do elemento consciente etc., imaginam que o movimento puramente operário é, por si próprio, capaz de elaborar e irá elaborar para si, uma ideologia independente, com a única condição de que os operários "arranquem sua sorte das mãos de seus dirigentes".
Mas, isto constitui um erro profundo. Para completar o que dissemos acima, citaremos ainda as palavras profundamente justas e significativas de Karl Kautsky, a propósito do projeto do novo programa do partido social-democrata austríaco.
"Muitos de nossos críticos revisionistas atribuem a Marx a afirmação de que o desenvolvimento econômico e a luta de classes não somente criam as condições da produção socialista, mas engendram diretamente a consciência de sua necessidade.
E eis que esses críticos objetam que a Inglaterra, país do mais avançado desenvolvimento capitalista, está mais alheia do que qualquer outro país a essa consciência.
O projeto do programa leva a crer que a comissão que elaborou o programa austríaco partilha, também, desse ponto de vista, dito marxista ortodoxo, que refuta o exemplo da Inglaterra.
O projeto afirma:
"Quanto mais o proletariado aumenta em conseqüência do desenvolvimento capitalista, mais é obrigado e tem a possibilidade de lutar contra o capitalismo. O proletariado adquire a "consciência" da possibilidade e da necessidade do socialismo. Por conseguinte, a consciência socialista constituirá o resultado necessário, direto da luta proletária de classe.
Ora, isto é inteiramente falso.
Como doutrina, o socialismo evidentemente tem suas raízes nas relações econômicas atuais, da mesma forma que a luta de classe do proletariado; do mesmo modo que esta última, resulta da luta contra a pobreza e a miséria das massas, provocadas pelo capitalismo.
Mas o socialismo e a luta de classe surgem paralelamente e um não engendra o outro; surgem de premissas diferentes.
A consciência socialista de hoje não pode surgir senão à base de um profundo conhecimento científico.
De fato, a ciência econômica contemporânea constitui tanto uma condição da produção socialista como, por exemplo, a técnica moderna, e apesar de todo o seu desejo, o proletariado não pode criá-las; ambas surgem do processo social contemporâneo.
Ora, o portador da ciência não é o proletariado, mas os intelectuais burgueses (o grifo é de Kaustky.): foi do cérebro de certos indivíduos dessa categoria que nasceu o socialismo contemporâneo. E foram eles que o transmitiram aos proletários intelectualmente mais evoluídos, que o introduziram, em seguida, na luta de classe do proletariado onde as condições o permitiram.
Assim, pois, a consciência socialista é um elemento importado de fora (von Aussenhineigetranes) na luta de classe do Proletariado, e não algo que surgiu espontaneamente (ur wüchsig).
Também o antigo programa de Heinfeld dizia, muito justamente, que a tarefa da social-democracia é introduzir no proletariado (literalmente: engravidar o proletariado com) a consciência de sua situação e a consciência de sua missão.
Não seria necessário fazê-lo se essa consciência emanasse naturalmente da luta de classe.
Ora, o novo projeto emprestou essa tese do antigo programa e juntou-se à tese acima citada. O que interrompeu completamente o curso do pensamento...
No momento, não seria possível falar de uma ideologia independente, elaborada pelas próprias massas operárias no curso de seu movimento.
O problema coloca-se exclusivamente assim: ideologia burguesa ou ideologia socialista.
Não há meio-termo, pois a humanidade não elaborou uma "terceira" ideologia.
E além disso, em uma sociedade dilacerada pelos antagonismos de classe não seria possível existir uma ideologia à margem ou acima dessas classes
Por isso, toda diminuição da ideologia socialista, todo distanciamento dela implica o fortalecimento da ideologia burguesa. Fala-se de espontaneidade. Mas o desenvolvimento espontâneo do movimento operário resulta justamente na subordinação à ideologia burguesa, efetua-se justamente segundo o programa do "Credo", pois o movimento operário espontâneo é o sindicalismo, a Nur-Gewerkschafilerei.
Ora, o sindicalismo é justamente a escravidão ideológica dos operários pela burguesia.
Por isso, nossa tarefa, a da social-dernocracia (dos comunistas), é combater a espontaneidade, desviar o movimento operário dessa tendência espontânea que apresenta o sindicalismo, de se refugiar sob as asas da burguesia, e atraí-lo para a social-democracia revolucionária.
Por conseguinte, a frase dos autores da carta "econômica" do n.º. 12 do Iskra, afirmando que todos os esforços dos mais inspirados ideólogos não poderão desviar o movimento operário do caminho determinado pela ação recíproca dos elementos materiais e do meio material, eqüivale exatamente a abandonar o socialismo.
E se esses autores fossem capazes de meditar no que dizem, até às ultimas conseqüências, com lógica e destemor, como deve fazer quem se dedica ao campo da ação literária e social, não lhes restaria senão cruzar sobre o peito vazio seus braços inúteis e... deixar o campo livre aos senhores Struve e Prokopovitch, que arrastam o movimento operário "no sentido do mínimo esforço", isto é, no sentido do sindicalismo burguês, ou aos senhores Zubatov, que o arrastam no sentido da "ideologia" cléricopolicial."
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