por Juan Ricthelly
O nascimento do Partido da Magistratura Golpista
No jardim de infância da faculdade de Direito, lá nos primórdios dos primeiros semestres, começamos a ter acesso à algumas teorias jurídicas, tendo contato com autores que muitos de nós jamais havíamos ouvido falar.
Mais precisamente nas primeiras aulas de Direito Penal e Processo Penal, somos apresentados a dois italianos de mesmo nome, mas de ideias muito diferentes, são na verdade dois Cesare’s, um é o Beccaria e o outro é o Lombroso.
Nunca havia ouvido falar deles? Fique tranquilo, nem eu havia até então, mas tenho certeza que já ouviu falar das ideias de ambos, que seguem mais vivas do que nunca. Mas antes de falar um pouco delas, vamos conhecer um pouco sobre cada um deles.
Cesare Bonesana, marquês de Beccaria, foi jurista e economista, nasceu em Milão, após ser injustiçado por seu pai, conheceu às entranhas do cárcere e ao sair se tornou um crítico ferrenho das injustiças perpetradas pelo sistema penal da época, sintetizando toda essa crítica de forma brilhante aos 26 anos, no clássico Dos Delitos e das Penas, onde falava sobre os diversos problemas relacionados com a prisão, as torturas e a desproporção entre o delito e a pena.
Cesare Lombroso foi um psiquiatra, cirurgião, higienista, criminologista, antropólogo e cientista italiano, sendo natural de Verona. Era também professor universitário, sua principal obra O Homem Criminoso, basicamente relacionava determinadas características físicas de indivíduos como indicadoras de predisposições evidentes para a criminalidade.
Beccaria acabou se tornando o pai do Direito Processual Penal moderno com sua obra, Lombroso apesar de ter sua teoria desacreditada ao longo do tempo, pode ser considerado um dos fundadores da antropologia criminal.
Ao longo dos séculos essas duas visões foram sendo complementadas e adaptadas às realidades de cada país, de modo que podemos afirmar que as ideias defendidas por Beccaria lá atrás estão hoje inseridas no contexto do garantismo penal, e as ideias de Lombroso adaptadas para a realidade brasileira seguem vigentes, bastando analisar o perfil étnico-racial da maioria esmagadora da população carcerária e do alto índice de condenações de negros em comparação à brancos nos mesmos crimes e situações, num contexto punitivista com um verniz nitidamente racista.
Ao fim da faculdade, cada um de nós foi para um lado, alguns saíram de mãos dadas com Beccaria seguindo uma tradição garantista, outros com Lombroso levando adiante o ideário punitivista como solução para os nossos problemas de criminalidade. E acredito que antes de mim e de meus colegas, tantos outros bacharéis que hoje são juízes e promotores seguiram os mesmos rumos.
Na noite desse domingo o Brasil foi “pego de surpresa” com a divulgação das conversas entre procuradores da Lava Jato e diálogos entre o então Juiz Sérgio Moro e o Procurador Deltan Dallagnol, explicitando algo que parte de nós tínhamos convicção, mas não tínhamos provas, até ontem.
É importante lembrar aqui, que a relação processual penal no Brasil é triangular e acusatória, onde o papel do juiz no processo é o de um árbitro imparcial entre a defesa e a acusação, ao contrário do modelo inquisitório onde o tribunal ou uma parte dele está ativamente envolvida na investigação dos fatos do caso.
As conversas entre Dallagnol e Moro, demonstram inequivocamente que havia um processo, com dois modelos vigentes, perante a opinião pública o processo era acusatório, havendo um juiz imparcial que julgava de forma unicamente técnica, um promotor que acusava e um réu que se defendia por meio de seus advogados, já no Tribunal Federal do Telegram, valia o modelo inquisitório, onde o juiz conversava diretamente com o acusador sobre o processo e os seus desdobramentos, não havendo tratamento semelhante com a outra parte, denotando interesse no resultado do processo em desfavor do réu.
Lembrando que lá atrás, sem nenhum lastro legal, o então Juiz Sérgio Moro, vazou áudios de conversas de uma Presidente da República com um Ex-Presidente da República, de um cliente com seus advogados e de um homem em conversas privadas com amigos e familiares para a imprensa, contribuindo assim para a construção de um cenário de instabilidade política que inflamou a opinião pública, tendo papel decisivo nos acontecimentos que ocasionaram o Golpe de 2016.
Hoje os mesmos constroem uma contra narrativa vitimizante alegando violação de privacidade, sendo irônico tal alegação vinda de pessoas que defenderam e fizeram a mesma coisa alguns anos atrás, agindo fora de seus figurinos institucionais. Quem com vazamento fere, com vazamento será ferido!
Sobre a relação do juiz com o processo, Beccaria disse o seguinte:
“O processo torna-se ofensivo quando o juiz se torna inimigo do réu e nele procura o delito em vez da verdade do fato.”
Se ontem tínhamos somente a convicção da ofensividade do processo em razão do papel de inimigo do réu adotado por Sérgio Moro, ainda que sem provas, hoje temos as duas coisas, com a segunda reforçando de forma inequívoca a primeira.
Sendo também importante fazer um retrospecto, das violações cometidas ao longo da Lava Jato, recordando-se também da velocidade interestelar para os padrões da justiça brasileira com que o Processo do Triplex tramitou, com um intervalo curto entre a denúncia e a condenação em segunda instância.
Numa sinfonia judicial impecável entre cada instância do poder judiciário, com cada instrumentista seguindo a cadencia originada em Curitiba por seu maestro elevado à condição de Ministro da Justiça, seguida por pelos colegiados de tenores que os sucederam em cada ato, às instâncias são várias, mas a música que toca hoje no Judiciário é uma só, numa uniformização da partitura utilizada para tocar a Ode à Lava Jato.
Com essa atuação repleta de parcialidade do começo ao fim, a Lava Jato deixa de ser a maior operação contra a corrupção da história desse país, para se converter no primeiro momento num movimento político, vestindo o jeans atemporal da anticorrupção perante a opinião, que nunca sai de moda cativando velhos e jovens, secos e molhados, mas usando calça saruel por baixo. No segundo se converte num partido político, fora do jogo político partidário, ao mesmo tempo em que influencia a dinâmica do mesmo em favor de um grupo e de uma ideologia conservadora, punitivista e antiesquerdista, usando a legitimidade institucional do Judiciário e do Ministério Público para atacar e ao mesmo tempo se defender dos contra-ataques, e no terceiro ato, ocupa espaços institucionais para além do judiciário aplicando o seu viés político ideológico às políticas públicas de Estado sem precisar disputar o jogo eleitoral para tanto.
Temos ainda ao longo desse processo, a coroação de Sérgio Moro como Ministro da Justiça, de um governo que por meio de sua atividade jurisdicional cheia de vícios e imparcialidade ajudou a colocar no poder, tendo ainda a promessa de ser elevado ao posto de Ministro do Supremo Tribunal Federal em um momento posterior, enquanto esse momento não chega, segue comprometido com o terceiro ato, se dedicando à aprovação do referido “Pacote Anticrime” no Congresso, expulsando o máximo que puder de Beccaria do Direito Penal e Processual Penal, fazendo um releitura verde e amarela de Lombroso, com o potencial de explodir o terceiro sistema carcerário do planeta, nos levando à primeira posição desse ranking maldito, comprometido com o encarceramento em massa de pobres, pretos e periféricos.
A Lava Jato acabou por cair na Maldição da Operação Mãos Limpas, que após um início meteórico, terminou com o triste fim de todo meteoro, que após iluminar os céus num lindo espetáculo pirotécnico, finda por se chocar contra outro corpo, se fragmentando, deixando muitas vezes uma cratera no lugar.
Infelizmente confundiu-se a atuação jurisdicional do Poder Judiciário com atuação política, instrumentalizando esse importante poder para promover a perseguição política, manipulação da opinião pública e o desrespeito de garantias processuais penais, convertendo a delação premiada como um fim em si mesmo, para forçar confissões por meio da prisão de pessoas que não haviam sido sequer condenadas.
Se o jornalista Paulo Henrique Amorim consagrou a expressão Partido da Imprensa Golpista (PIG) para se referir à atuação política da grande mídia nacional, é importante fazermos um releitura do termo para nos referirmos ao ativismo político de parte da magistratura, denominando esse grupo daqui para frente de Partido da Magistratura Golpista (PMG).
Nenhum comentário:
Postar um comentário