por Juan Ricthelly
As Sociais Democracias europeias estabeleceram o conceito e a prática do Welfare State, o Estado de Bem Estar Social, que seria basicamente um Estado comprometido com a cartilha econômica capitalista, mas de olho nos aspectos sociais e humanos da sociedade, garantindo educação e saúde, públicas e de qualidade, e leis trabalhistas que buscavam equilibrar as relações de trabalho em benefício dos trabalhadores, dando a ideia de um capitalismo humanizado, como contraponto ao proposto pela esquerda socialista.
No Brasil, a Constituição de 1988, pacto social firmado entre as forças políticas emergentes e sobreviventes de uma Ditadura Cívico-Militar que durou 21 anos, tentou-se desenhar por meio de uma constituição de aspecto programático, com metas e objetivos a serem atingidos ao longo dos anos, um Estado de Bem Estar Social como política de Estado, a ser perseguida em alguma medida por todos os governos que se sucedessem ao longo da gestão do país.
E foi assim, que se convencionou consagrar no Art. 5 da Constituição e ao longo do texto, uma sequência importantíssima e em alguns aspectos inéditas, de Direitos e Garantias para o conjunto de cidadãos elevados à categoria de sujeitos de direitos na Nova República.
Havendo o compromisso expresso do Estado de erradicar a pobreza, o analfabetismo, as desigualdades regionais e a construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária, sendo saúde, educação, cultura, meio ambiente, a função social da propriedade, o trabalho como valor edificante da dignidade da pessoa humana e o bem estar da população, balizadores do papel que o Estado deveria ter nesse novo velho Brasil.
Ao longo de todos os governos que sucederam esse raro momento de acerto histórico de nossa nação, muitos desses objetivos nobres foram sendo abandonados e vendidos, quase sempre em nome da ortodoxia neoliberal, que possui a maestria maligna de converter as necessidades humanas mais básicas em mercadoria.
Então, da promulgação da Constituição até aqui, assistimos o entreguismo escancarado de nossas riquezas ao capital financeiro, a precarização das relações de trabalho em benefício dos patrões e o congelamento dos gastos públicos sociais para pagamento de juros e amortização da dívida pública.
E esse novo governo que assumiu nosso país esse ano, é a coroação de todo esse processo de desmantelamento da tentativa de construção de um Estado de Bem Estar Social no Brasil. Que mesmo com todas as limitações e contradições que obviamente possui, pode ser definido como a primeira tentativa real de se constituir um Estado comprometido com as questões sociais.
Estava lendo um livro hoje, e cheguei à seguinte conclusão, só existe uma única pessoa que sabe exatamente o que está fazendo no governo Bolsonaro, e essa pessoa se chama Paulo Guedes, e o objetivo dele é nítido, é a destruição sistemática do que se conseguiu construir, com a implementação do Hellfare State, um Estado de Mal Estar Social, onde resumidamente se reduz criminosamente o papel e compromisso do Estado com os seus cidadãos, por meio de um discurso meritocrático e liberdade individual, num cenário onde a liberdade é condicionada por sua capacidade de consumo, calcada num mercado de trabalho com relações precarizadas em benefício dos lucros dos empregadores, então educação, saúde e previdência se convertem se convertem em serviços, onde tem, quem conseguir pagar, não sendo mais entendidas como direito de todo cidadão e dever do Estado.
E nada disso é algo novo, já foi implementado com a participação dele (Paulo Guedes) inclusive, em outro lugar não tão longe daqui, no Chile, ao custo da implantação da ditadura mais sanguinária da América do Sul, com um saldo de milhares de mortos, desaparecidos, torturados e perseguidos politicamente.
Se você ainda não tem, e quer ter uma noção do que esse homem planeja para o nosso país, estudem sobre o que foi feito no Chile, flexibilização de leis trabalhistas e enfraquecimento de sindicatos, que fragilizaram a posição do trabalhador frente ao patrão, uma reforma da previdência com regime de capitalização sem a participação dos patrões, que paga hoje aposentadorias menores que o salário mínimo local, e gerando lucros exorbitantes para meia dúzia de empresas que gerem esses fundos, um sistema educacional estruturado na subvenção do Estado a grupos ligados ao ensino privado, por meio de vouchers, onde o ensino público tem pouco espaço, concentrando alunos e recursos em instituições privadas.
O Estado assumiu um papel subsidiário perante às necessidades de seus cidadãos, de modo que ele somente assume aquilo que não for do interesse da iniciativa privada. E embora o Chile seja utilizado constantemente como exemplo bem sucedido das práticas neoliberais, pouco se questiona a que custo isso foi feito e quais são os efeitos práticos disso na vida e no dia a dia das pessoas.
Se muito se fala em ‘socialismo real’ para se referir ao fracasso de experiências socialistas do passado, o Chile poderia muito bem ser definido como um exemplo do ‘neoliberalismo real’, refletindo uma realidade onde a liberdade das empresas e do Mercado é absoluta, e a dos indivíduos condicionada por sua capacidade de se submeter, consumir e adquirir bens e serviços, que em outras partes do mundo são direitos básicos de todo cidadão.
Um exemplo disso em nosso país é o corte sistemático de recursos destinados ao SUS, e o perdão de dívidas monstruosas de empresas de saúde do setor privado nos últimos 12 anos (400 bilhões de reais), tendência que segue sendo mantida no atual governo, recursos esses que poderiam estar sendo investidos na promoção e no aperfeiçoamento da Saúde Pública.
E após decisão recente do STF sobre as empresas estatais, um tsunami privatizador se aproxima de nosso país, ameaçando transformar necessidades humanas básicas em mercadoria e condicionar o exercício do que antes eram direitos em fruição de serviços.
E aqui se faz importante, questionar quem conseguiu ler até esse ponto: Qual deve ser o papel do Estado perante seus cidadãos?
Não se esqueçam jamais, que quando tudo for privado, seremos privados de tudo!
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