Eu perguntei o que o impedia, ele respondeu com toda a sinceridade: porque sou cúmplice e não quero ser preso nem morto pelos policiais que denunciaria
por Martel Alexandre del Colle no Justificando
Escrever mudou bastante a minha vida. Comecei a escrever porque fui transferido, perdi contato com muitos policiais, e estou afastado de serviço. Mas escrever também me deu a oportunidade de conhecer pessoas fantásticas e de ouvir histórias muito reveladoras sobre o sistema policial.
Uma história que me chamou bastante a atenção veio de um policial que começou a se comunicar comigo de maneira anônima. Ele me encontrou em uma rede social – uma das poucas que mantive – e disse que acompanhava os meus textos pelo justificando.
Se todos fazem e ninguém reclama, se eles fizeram na minha frente e na frente do tenente, então isso não deve ser tão errado
Ele relatou que foi policial e que se sentiu representado nos meus textos. Começamos a conversar com mais frequência até que ele resolveu contar um pouco da sua experiência como policial. Ele me relatou que presenciou diversas torturas. Disse que sentia vontade de denunciar esses abusos.
Eu perguntei a ele o que o impedia de denunciar. Ele me respondeu com toda a sinceridade: porque sou cúmplice e não quero ser preso, e porque não quero ser morto pelos policiais que eu denunciaria.
Começamos uma conversa sobre denúncias de crimes dentro das instituições policiais. Por que é tão difícil um policial denunciar a tortura dentro dos órgãos de polícia? Ele me respondeu com a história que eu queria contar desde o início para vocês.
Ele relatou que, quando ainda era um recruta, dirigia para um policial mais antigo (mais tempo de serviço). Durante um serviço à noite, ele conta que houve um assalto. Todas as equipes foram mobilizadas para encontrar os criminosos. Uma equipe encontrou-os numa estrada rural e o policial mais antigo decidiu ir lá para ver se conhecia os criminosos. Chegando ao local, o policial relata que já estavam lá outras equipes. Seis policiais estavam lá e os autores do crime estavam sendo torturados por uma dupla de policiais para entregarem os produtos do roubo. Posteriormente, chegou o oficial que fiscalizava a tropa. A tortura não parou e o oficial não fez nada.
Continuamos a conversa e o argumento dele era: como é que eu iria denunciar algo que todos os policiais sabem que existe e sobre o que ninguém faz nada?
Ele era um recruta e diz que temeu se mostrar horrorizado com aquilo e ser desprezado pela tropa, ganhar fama de covarde. Como era muito novo, relata que acabou entrando na cultura policial. “Se todos fazem e ninguém reclama, se eles fizeram na minha frente e na frente do tenente, então isso não deve ser tão errado, pensei.”
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