Arte: Justificando
Por Rochester Oliveira Araújono Justificando
São tempos difíceis para os sonhadores. E tão difíceis quanto para os realistas. É preciso encarar o risco de uma retomada, após um breve suspiro democrático, de um estado policialesco que parece avançar com uma versão atualizada da sociedade. Talvez parte desse avanço se deva justamente à preparação – docilização – da sociedade para esse estado antidemocrático.
Quando criança, uma das brincadeiras que eu mais achava interessante era a de “Polícia e Ladrão”. Achava interessante: gostar ou não gostar da brincadeira dependia do dia, se eu ganhasse ou não. E geralmente, pela minha lentidão, eu perdia. Mas o que achava interessante era a dinâmica: o fato de que, ao se escolher quem era a Polícia – que ia perseguir os demais e, ao alcança-los, levar pra prisão – todos os outros seriam posicionados como Ladrão.
O espaço para brincar era delimitado e ninguém podia correr além das fronteiras que eram traçadas. A brincadeira começava. A polícia pegava o primeiro (que muitas vezes era eu, me lembro) e levava até a delegacia que era um ponto qualquer. Quando alguém era preso, tinha que ficar imóvel. Se tornava mero expectador da brincadeira. E ser mero expectador é o tédio infantil nessas brincadeiras. Logo, então, quem estava ali parado começava a ajudar a polícia e entregar os esconderijos ou onde cada um estava. Era uma forma de fazer acabar logo aquela rodada da brincadeira para recomeçar ou passar para outra. Fora que, em determinado ponto, era tão difícil fugir que quem ainda não havia sido preso, no lugar de correr, preferia se entregar ou simplesmente empurrar o outro para cima da polícia para se livrar. Ganhava-se tempo. A brincadeira acabava quando todos haviam sido presos. Todos no tédio.
O que era interessante, ou o que hoje percebo com interessante, é que os ladrões – todo o resto – colaboravam com aquele que era a Polícia para não ser o próximo a ser preso ou para acabar logo aquela jogada. E que o final da brincadeira era o instante em que todos estavam presos. Qual era a graça agora? Nenhuma. Era o momento de ir brincar de outra coisa. E assim foi. Cresci e a brincadeira acabou. As lições, nem tanto.
O Estado Policial não é um estado democrático. E quando falamos de Estado Policial não estamos falando apenas da existência de uma hipertrofia de uma instituição policial. Além disso, temos todo o funcionamento policialesco das demais instituições e poderes estatais, seja diretamente com atos autoritários, seja indiretamente legitimando – até mesmo e sobretudo pela omissão – esses atos. Mas existe polícia fora do Estado? Parece ser essa a tecnologia aperfeiçoada que estamos experimentando, o que é assustador já que soma-se à forma tradicional do Estado Policialesco que vem se enrijecendo.
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