21 de ago. de 2019

Itamaraty usa dados da era Lula para defender Brasil de críticas sobre desmatamento

O Inpe afirma que foram detectados mais de 72 mil focos de queimada neste ano
Foto Agência REUTERS

Diplomatas de todos os principais postos brasileiros no exterior receberam uma circular da Secretaria de Relações Exteriores elencando argumentos que devem ser utilizados para defender a política ambiental brasileira, em meio a críticas de pesquisadores e governos estrangeiros à gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Nela, o Itamaraty começa afirmando que os índices de desmatamento na região amazônica tiveram "redução significativa, de 27.700 km² em 2004 para 7.500 km² em 2018 (redução de 72%)".

O telegrama não deixa claro, no entanto, que nesse período só houve redução no desmatamento entre 2004 e 2012, durante os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e metade do primeiro de Dilma Rousseff.

Mas desde 2012 os dados medidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram crescimento quase contínuo da derrubada de floresta.

O desmatamento na Amazônia Legal, que engloba a região Norte mais parte do Maranhão e Mato Grosso, caiu de 27,8 mil km² em 2004 para o menor resultado histórico em 2012 (4.600 km²).

Agravamento
Já os números preliminares de 2019 têm indicado piora da situação: o sistema Deter, do Inpe, aponta que os alertas de desmatamento na Amazônia Legal brasileira dispararam 278% no mês passado, na comparação com julho de 2018. Para ambientalistas, a forte alta reflete o enfraquecimento das políticas de preservação.

O Itamaraty aponta razões políticas e econômicas para as críticas à política ambiental em curso no país.

"Críticos buscam associar o Brasil à destruição do meio ambiente com o objetivo de pressionar o país a aceitar compromissos maiores nos regimes internacionais de que faz parte, tanto no caso de instrumentos aos quais já nos associamos (como o Acordo de Paris) como no caso de obrigações ainda por assumir (Marco Global sobre Biodiversidade pós-2020)", afirma o telegrama.

Para o governo Bolsonaro, há um "grande interesse dos competidores internacionais do agronegócio brasileiro em divulgar imagem negativa da produção agrícola nacional". A circular, à qual a BBC News Brasil teve acesso, foi enviada aos diplomatas na última terça-feira (20), um dia depois que as queimadas em Estados da região Norte chamaram a atenção de todo o país.
Amazônia é o bioma mais afetado por incêndios florestais neste ano, diz Inpe
Foto Agência REUTERS
Brasil é 'líder em preservação'
O principal argumento do governo Bolsonaro em resposta às críticas é o de que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo.

Ele se baseia em números do agrônomo Evaristo Eduardo de Miranda, chefe da Embrapa Territorial, uma das unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), estatal vinculada ao Ministério da Agricultura.

Mas Miranda é contestado por cientistas, ambientalistas e mesmo por técnicos da Embrapa.

Um artigo publicado por autores brasileiros no ano passado na revista Environmental Conservation, da Universidade Cambridge, no Reino Unido, com o título "Os dados confirmam que Brasil lidera o mundo em preservação ambiental?", chama os números de Miranda de "estatísticas criativas" e "influenciadas por uma narrativa ideológica que distorce a realidade ambiental brasileira".

No telegrama enviado aos diplomatas, a Secretaria de Relações Exteriores diz que "a área com cobertura vegetal nativa no Brasil corresponde a 66,3% do território: 25,6% como vegetação nativa em propriedades rurais; 13,8% como terras indígenas; 10,4% como unidades de conservação; e 16,5% em terras devolutas e não cadastradas".

Este é um dos cálculos feitos por Miranda, contestado por outros especialistas.

Ele afirma que áreas de mata nativa dentro de propriedades privadas somam 218 milhões de hectares e representam 25% do território do Brasil, fazendo do produtor rural a categoria que mais preserva no país.

Esse cálculo foi feito a partir do que os próprios proprietários declararam ao realizar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), exigência do Código Florestal aprovada em 2012, que atualizou a legislação ambiental de 1965.
Bolsonaro tem sido criticado por sua política ambiental
Foto Agência REUTERS
O prazo para realizar o cadastro venceria em maio de 2015, mas vem sendo sucessivamente adiado, o que impede o avanço da etapa seguinte, de fiscalização e regularização dos que desmataram mais do que podiam.

Depois de os então presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) terem prorrogado o período de cadastro, Bolsonaro editou uma medida provisória em junho extinguindo o prazo, deixando produtores livres para cumprir essa exigência quando quiserem.

O telegrama enviado aos postos diplomáticos também menciona o Código Florestal, que exige a preservação de vegetação nativa em 80% das propriedades localizadas no Bioma Amazônico.

E afirma que "o Brasil é o único país no mundo com exigências de preservação no qual o produtor rural é responsável pela preservação de boa parte do território brasileiro, sem receber compensação financeira para tanto".

Em abril, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, usou o argumento ao apresentar um projeto de lei para acabar com a "reserva legal".

ONGs como responsáveis
Nesta quarta-feira (21), em entrevista a um grupo de jornalistas no Palácio da Alvorada, o presidente afirmou, sem apresentar provas, que ONGs conservacionistas poderiam estar envolvidas nos incêndios, em resposta, segundo ele, a um corte de verbas promovido por seu governo.

"Pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses ongueiros para exatamente chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil. Essa é a guerra que nós enfrentamos. Vamos fazer o possível e o impossível para conter esse incêndio criminoso", disse, segundo o jornal Folha de S.Paulo.

No telegrama enviado aos diplomatas, o governo também dispara contra as ONGs ao falar do Fundo Amazônia, que teve recursos congelados pelos seus principais financiadores, Noruega e Alemanha.

"Lamentavelmente, quase 40% dos recursos do fundo foram alocados em projetos administrados por organizações não governamentais (ONGs), que não os têm empregado de forma adequada ou suficientemente transparente. Prova disso é o aumento da taxa de desmatamento entre 2012 e 2018, período anterior ao início do atual governo", diz a circular.

A nota também dedica espaço à defesa da aprovação de agrotóxicos, que foi acelerada no governo atual, da produção de alimentos geneticamente modificados, da qualidade dos produtos de origem animal produzidos no Brasil, como a carne bovina e de frango, da produção de biocombustíveis e da resposta do governo ao rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, que aconteceu em 25 de janeiro e deixou mais de 240 mortos e cerca de 30 desaparecidos.

Com reportagem de Camilla Costa e Mariana Schreiber.

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