As aventuras de um governador que acredita ser um rei absolutista, e as desventuras da democracia
por Juan Ricthelly no Gama Livre
A democracia é uma obra inacabada, os gregos começaram, outros povos e culturas se apropriaram dela e tentaram aplicar às suas realidades, de modo que alguns milênios depois, nós ainda não concluímos essa obra.
Se tratando de Brasil é importante mencionar que de 1988 até os dias atuais, temos o maior período de exercício democrático ininterrupto de nossa história como nação.
Fomos basicamente uma colônia de exploração por 308 anos, Reino Unido à Portugal e Algarves e capital da metrópole por 14 anos, um Império por quase sete décadas, e uma República fruto de um golpe militar, sendo importante não esquecer jamais nossas bases estruturais escravocratas, coloniais e genocidas.
Por esse caminho tortuoso, vivemos sob duas ditaduras que tomaram três décadas de nossa história republicana, sendo que apenas 5 presidentes democraticamente eleitos conseguiram concluir seus mandatos nos últimos 90 anos.
Como se pode observar, o exercício da democracia em nosso país ainda é algo recente, que estamos aprendendo aos trancos e barrancos, obviamente que Brasília com apenas 69 anos não foge à essa regra.
Entre 1960 e 1969 tivemos 11 prefeitos nomeados, entre 1969 e 1990 tivemos 8 governadores nomeados, e somente em 1991 pudemos enfim ter o nosso primeiro governador democraticamente eleito.
Em relação ao Legislativo, somente em 1986 pudemos eleger pela primeira vez Deputados Federais, e partir de 1990 os Deputados Distritais.
Ainda temos muito o que conquistar por aqui, principalmente no que diz respeito à participação popular na escolha dos Administradores Regionais, que segue sendo uma moeda de troca valiosa para o Executivo e atraente para o Legislativo, enquanto a população assiste calada a esse jogo.
Mesmo com todas as limitações e contradições, felizmente ainda temos espaços onde a população pode participar diretamente dos processos, como por exemplo, a escolha de conselheiros tutelares e diretores de escolas.
A democracia possui essa capacidade de surpreender, assustar e encantar ao mesmo tempo, ela não é perfeita e talvez jamais será, não é o seu papel transformar a Terra num paraíso bíblico, mas é sua obrigação mediar às diferenças impedindo que o inferno se instaure por completo por aqui.
Nesse espírito democrático, a população do Distrito Federal elegeu pela primeira vez em sua história uma pessoa nascida no ‘quadradinho’, um advogado de 48 anos, com mais tempo de vida que o Brasil de democracia ininterrupta, com um patrimônio estimado em mais de 90 milhões de reais.
Ibaneis Rocha fez campanha com uma mala cheia de promessas distribuídas por todo o DF, depois de eleito, deixou claro sem pudor algum que não irá cumprir boa parte delas, seguindo o caminho da velha política que tanto criticou e tentou se diferenciar durante a eleição.
Ao chegar ao poder já demonstrou em diversas ocasiões um despreparo emocional incomum para um advogado renomado e experiente, já gritou com lideranças comunitárias durante uma reunião, esculhambou vascaínos e mais recente deu um verdadeiro show diante de deputados distritais, num chilique digno do meu filho de três anos, direcionado ao deputado Fábio Félix.
Tamanhas intrigas e episódios políticos inusitados que já fazem parte do cotidiano da capital, renderiam o primeiro volume de um livro só nesses primeiros oito meses de governo, nesse ritmo, é possível que em quatro anos tenhamos uma coletânea de crônicas e causos comparável ao tamanho da Enciclopédia Barsa, narrando a história e às aventuras de um governador que acreditava ser um rei despótico.
Esse texto é a nossa humilde contribuição para essa epopeia caricata, que teve começo, terá um meio e seguramente um fim, sendo sempre importante lembrar, que numa democracia, governantes vêm e governantes vão, que assim como o povo de Brasília se ilude fácil com qualquer promessa de salvação e esperança, tão facilmente ele se desilude.
Numa breve retrospectiva de nossa história política, alertando o governador sobre o seu futuro por meio do passado de seus predecessores, que ele se recorde que assim como ele nos “salvou” de Rollemberg, Rollemberg nos “salvou” de Agnelo, Agnelo nos “salvou” de Arruda, Arruda nos “salvou” de Roriz, que por sua vez nos “salvou” de Cristovam, que anteriormente havia nos “salvado” de Roriz... Logo, caro governador, esteja ciente que em 2022 alguém certamente aparecerá para nos “salvar” de você, esses quatro anos poderão ser longos e demorados, mas chegarão ao fim, pois o tempo é o senhor absoluto de todos os governos, e com ele não há negociação.
Recentemente após uma consulta sobre a possibilidade de Intervenção Militar em algumas escolas da rede pública do Distrito Federal, duas delas recusaram essa proposta democraticamente por meio de suas respectivas comunidades escolares, como reação republicana e à altura da ilusão do poder supremo que o Governador Ibaneis Rocha acredita estar divinamente revestido, declarou que vai passar por cima dessas decisões e que quem quiser que busque a reversão judicial.
São nos pequenos atos cotidianos no exercício temporário do poder, que a máscara de um advogado comprometido com o Estado Democrático de Direito ao longo de sua vida cai, dando lugar à face do pequeno tirano que sempre existiu dentro de si.
Quer conhecer verdadeiramente a natureza de um homem? Dê poder a ele!
A verdadeira natureza do Governador Ibaneis está precocemente nua perante toda à sociedade e da forma mais rebaixadoramente obscena que qualquer mente sã possa conceber, e essa natureza é essencialmente tirânica, mentirosa e sem nenhum compromisso com a palavra dada, o rei está nu!
E essa nudez foi escancarada no momento em que ele deixou claro que a sua concepção de democracia é somente àquela em que ele vence, ignorar a decisão soberana de uma comunidade de forma autoritária, é algo com o potencial de manchar a biografia de qualquer pessoa, o ex-secretário de educação percebeu isso.
Nós podemos errar e acertar nos posicionamentos que tomamos em um dado momento, por acreditarmos que o que estamos defendendo seja o melhor para aquela situação, isso é do jogo político, mas jamais podemos abrir mão de errar ou acertar de forma democrática, pois fora da democracia não há salvação. E isso é um valor inegociável!
O governador talvez confunda o poder que a sua riqueza material adquirida por meio de seu trabalho lhe conferiu fora dos espaços públicos, com o poder público que exerce temporariamente em nome do povo do Distrito Federal.
Um patrimônio estimado em mais de 90 milhões, certamente tem o poder de comprar muitas coisas, cabeças de gado, jatinhos, propriedades, relógios Rolex, canetas Mont Blanc, carros de luxo e até mesmo pessoas, mas todo dinheiro do mundo é pouco diante da Democracia, pois ela não tem preço, e como não é possível comprá-la, ele escolheu o caminho digno de um ditador, de agredi-la, corrompê-la e ignorá-la.
Que ele ocupe o lugar na história de Brasília a altura de seus atos, como o governador mais tirânico de todos os tempos, que às gerações futuras se recordem dele como um eclipse antidemocrático que escureceu momentaneamente a democracia do Distrito Federal.
Não se esqueça jamais governador, que apesar de você, amanhã há de ser outro dia! E a democracia gostaria de lhe mandar um recado por meio de Mario Quintana:
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
Dom Juan Ricthelly
Gama-DF, 21 de Agosto de 2019
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*Dom Juan Ricthelly nasceu, foi criado e mora no Gama, é advogado, ambientalista e sempre lutou pela cidade, cidade entendida como o Gama e, também, o restante de Brasília.
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