Por Erick da Rocha Spiegel Sallum no Justificando
Era uma vez um curioso mundo onde tudo existia em duplicidade. Nesse mundo bizarro existiam dois presidentes, dois parlamentos, dois judiciários, dois ministérios públicos, dois corpos de bombeiros e duas polícias. O mais estranho desse mundo não era a existência desses pares de entidades, mas sim outro fato: os dois órgãos de cada tipo possuíam exatamente as mesmas atribuições. É isso mesmo…. Os dois entes de cada espécie atuavam sobre a mesma base territorial e exerciam exatamente as mesmas funções.
Como é de se esperar, isso acarretava alguns inconvenientes. Afinal, ninguém sabia ao certo qual presidente de fato governava ou mesmo qual Lei obedecer, a publicada pelo parlamento 1 ou pelo parlamento 2.
No Judiciário era igual, pois sistematicamente geravam-se decisões contraditórias e os juízes não reconheciam a autoridade uns dos outros. Já no Corpo de Bombeiros a questão também era complicada, pois ninguém sabia ao certo qual das duas corporações deveria atuar em determinado incêndio. Assim, por vezes, nenhuma das duas aparecia, pensando que a outra já estaria atuando. Outras vezes, as duas corporações atendiam ao mesmo incêndio, então a briga era pra ver quem usaria o hidrante. Nesses casos, depois de muita discussão, quando os dois finalmente entravam em acordo, já era tarde, o incêndio tinha consumido todo o prédio.
Já com as duas Polícias a confusão era a pior de todas. As duas instituições policiais investigavam tudo e nada ao mesmo tempo. Como as duas polícias possuíam as mesmas atribuições para investigar e também fazer rondas ostensivas, o caos era absoluto. Alguns locais da cidade não tinham sequer uma viatura, enquanto que em outros diversas das duas corporações brigavam entre si. Quanto aos crimes, sistematicamente as duas corporações “batiam cabeças”, pois muitas vezes as duas polícias estavam investigando o mesmo fato. Era muito comum inclusive haver trocas de tiro entre policiais, pois um achava que o outro era criminoso quando, em verdade, tratava-se apenas de outro policial apurando a mesma situação.
Nessa confusão, a população acabava sofrendo as consequências, porque são sabia ao certo a quem pedir socorro e, muitas vezes, acabava registrando duas ocorrências sobre o mesmo fato, uma em cada corporação. Isso, por consequência, estimulava a duplicidade de investigações e uma série de redundâncias de procedimentos. De fato, o IML e os peritos ficaram doidos e passaram a fazer dois laudos para tudo e qualquer coisa.
O que se observa na prática era a existência de uma deletéria competição entre as duas corporações e nenhuma cooperação. Com o passar do tempo, percebeu-se um claro enfraquecimento e precariedade da segurança pública. As investigações viraram uma bagunça e o serviço de patrulha ostensiva/preventiva, relegada a um segundo plano, acabou abandonada e descoordenada.
Nesse bizarro mundo da redundância, os custos também eram duplos. Afinal, manter duas corporações idênticas pra fazer a mesma coisa, sob qualquer ótica econômico-financeira é simplesmente uma insanidade.
Não é necessário ser especialista em Segurança Pública para concluir que o modelo organizacional adotado nesse mundo fantástico descrito acima é absolutamente equivocado. Ocorre que é justamente isso que os defensores do ciclo completo no Brasil desejam.
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