19 de jun. de 2020

Bolsonaro diz a assessores que é preciso 'dar um jeito' de Queiroz 'ficar calado'

Ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Queiroz (de óculos) foi preso na manhã desta quinta-feira (18).
Presidente reuniu ministros logo no início da manhã, após a prisão do ex-assessor do filho Flávio. Queiroz não queria que família fosse atingida, mas sua mulher teve prisão decretada.

By Debora Álvares

A prisão do policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, caiu como uma bomba no Alvorada logo no início da manhã. Segundo o HuffPost Brasil apurou, o presidente Jair Bolsonaro recebeu com muita irritação a notícia, e, mais do que os rotineiros palavrões, gritou com auxiliares ao cobrar atitudes para “evitar” que a sua família seja afetada.

A operação foi realizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em parceria com a Polícia Civil de São Paulo antes das 7h da manhã. Queiroz, peça-chave da investigação sobre um suposto esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro, estava em Atibaia, em um sítio do advogado de Jair e Flávio, Frederick Wassef.

O HuffPost conversou esta manhã com vários interlocutores palacianos que estiveram com o mandatário desde cedo, antes até de ele deixar o Palácio da Alvorada sem falar com apoiadores, o que não é um costume dele.

Conforme dois assessores afirmaram ao HuffPost, o presidente estava particularmente preocupado com o que o ex-assessor poderia falar e disse que era preciso “dar um jeito” de Queiroz “ficar calado”.

Os Bolsonaro nunca tiveram dúvida da fidelidade do ex-funcionário, que já havia garantido que poderia assumir qualquer acusação que lhe fosse imputada por eventuais investigações do Ministério Público.

Porém, segundo a coluna do jornalista Lauro Jardim, Fabrício Queiroz não queria sua família envolvida em qualquer acusação.

O problema é que Márcia, esposa de Queiroz, e que, como ele, trabalhou no gabinete de Flávio na Alerj, também teve a prisão decretada. Sem ser localizada, ela é considerada agora foragida. A filha Nathália também foi funcionária na Assembléia, mas não há nada a respeito dela na operação desta quinta.

Desta forma, há dúvidas se Queiroz manterá a palavra e permanecerá calado. Os gritos do presidente, em meio a palavras de baixo calão que, segundo assessores, lhe são próprias em momentos de “tensão”, se deram neste contexto.

Segundo afirmaram ao HuffPost interlocutores que conhecem o presidente e a família, o entendimento do clã Bolsonaro é de que esta foi uma semana de “perseguição” a eles e seus apoiadores.

Além disso, classificam a operação como “mais uma investida” dos adversários políticos Wilson Witzel, governador do Rio, e João Doria, que governa São Paulo, contra Jair Bolsonaro. Isso porque a ação a mando do MPRJ foi executada pela GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de SP.

Plano de ação
Mesmo com agenda apenas às 10h, Bolsonaro chegou pouco depois das 8h no Planalto e logo convocou seu núcleo jurídico: o ministro da Justiça, André Mendonça, o advogado-geral da União, José Levi, e o ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira (Secretaria de Governo), formado em direito e conselheiro do presidente em momentos de crise. Além disso, foram também chamados os generais Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral). Flávio e Carlos também acompanham o pai desde cedo.

Mendonça tem sido criticado por atuar em causas do governo, por estar na Justiça e não mais na AGU. Como a operação atingiu diretamente o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, uma das primeiras providências que se tomou também esta manhã foi entrar em contato com outros profissionais para avaliar a melhor forma de agir juridicamente.

Wassef é muito próximo aos Bolsonaro. Na quarta (17), ele esteve no Palácio do Planalto na cerimônia de posse de Fábio Faria como ministro das Comunicações.

Em julho do ano passado, em entrevista à revista Veja, ele negou conhecer Queiroz: “Não o conheço, nunca o vi. Eu nem vou ao Rio de Janeiro. Eu gostaria, na verdade, que ele aparecesse”. Dois meses mais tarde, à GloboNews, disse não saber onde estava o ex-assessor de Flávio Bolsonaro: “Não sei. Não sou advogado dele”.

A retórica que será utilizada tanto por Flávio quanto por Bolsonaro seguirá no mesmo tom que vem sendo adotado pelo clã: negar qualquer envolvimento de Flávio com o esquema das “rachadinhas”, como ele próprio já o fez em uma manifestação em seu Twitter nesta manhã. Além disso, deve-se elevar a mensagem de que se está no centro de um ataque e que o que opositores buscam é desgastar o governo Jair Bolsonaro.


 A intenção é se distanciar o máximo possível de Wassef, embora o núcleo militar palaciano reconheça que isso seja praticamente impossível.

Há certo temor ainda de que, ao se pronunciar, o presidente possa acabar “falando demais”. No entanto, há preocupação de que o silêncio implique conjecturas. Por isso, uma possível estratégia, neste momento em que se tenta apaziguar as relações entre os Poderes, é redigir com “calma”, segundo uma fonte, uma nota via redes sociais.  

A rachadinha
Queiroz se tornou investigado após o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), atualmente chamado UIF (Unidade de Inteligência Financeira), enviar um relatório mostrando uma “movimentação atípica” de R$ 1,2 milhão, entre 2016 e 2017.

Questionado sobre a transação milionária em sua conta, Queiroz afirmou que suas movimentações financeiras eram fruto da compra e venda de veículos usados. Porém, além do tal R$ 1,2 milhão, o ex-assessor da Alerj também entrou no radar do Coaf por outros R$ 5,8 milhões movimentados nos últimos três anos. Somados, os valores somam transações atípicas de R$ 7 milhões.

Um relatório do Coaf revelado pelo Jornal Nacional em 2019 identificou também depósitos na conta de Flávio Bolsonaro. Foram 48 depósitos no valor de R$ 2 mil entre junho e julho de 2017 na conta do parlamentar, no total de R$ 96 mil. O fato de terem sido feitos de forma fracionada desperta a suspeita de ocultação da origem do dinheiro, segundo o Coaf. O conselho não identificou quem fez os depósitos.

Queiroz fazia saques em dinheiro vivo sempre em dias próximos ao pagamento dos servidores da Assembleia Legislativa do Rio. Ele justificou que recebia parte de salário dos colegas de gabinete para remunerar assessores informais de Flávio Bolsonaro. A suspeita é de apropriação e desvio de parte dos salários dos servidores do gabinete do parlamentar.

De acordo com o MP do Rio, a operação desta quinta foi batizada de Anjo, em referência à forma como a família Bolsonaro chama Wassef. Outros servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Estado também foram alvo. 

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