Alguma coisa está fora de ordem
O escritor Ariano Suassuna em uma matéria publicada num jornal sobre o chamado forró estilizado, que está lotando casas de show e praças públicas, principalmente nas cidades interioranas do Nordeste, ficou escandalizado ao ouvir algumas das músicas de várias bandas que seguem essa linha grotesca, do achincalhe e da desmoralização a mulher.
As suas considerações renderam críticas e durante uma das suas aulas-espetáculo, ano passado, ele foi bastante criticado, por ter "malhado" uma música da banda Calipso, apontada de mau gosto. Quando mostraram a Ariano algumas letras das bandas desse tipo de "forró", ele exclamou: "Eita, que é pior do que eu pensava". Do que ele pensava e do que muito mais gente jamais imaginou.
Para conhecer algumas letras e as respectivas bandas, Ariano foi na fonte e lá se deparou com “Calcinha no chão” (Banda Caviar com Rapadura),“Zé Priquito” (Cantor Duquinha), “Fiel à putaria” (Banda de Felipão Forró Moral), “Chefe do puteiro” (Banda Aviões do forró), “Mulher roleira” (Banda Saia Rodada), “Mulher roleira a resposta” (Banda Forró Real).
Encontrou também “Chico Rola” (Banda Bonde do Forró), “Banho de língua” (Banda Solteirões do Forró), “Vou dá-lhe de cano de ferro” (Banda Forró Chacal), “Dinheiro na mão, calcinha no chão” (Banda Saia Rodada), “Sou viciado em putaria” (Banda Ferro na Boneca), “Abre as pernas e dê uma sentadinha” (Banda Gaviões do forró), “Tapa na cara, puxão no cabelo” (Banda Swing do forró) entre tantas “pérolas” desta artilharia que anda povoando a mentes de quem, parece não pensa, desconhece a boa música brasileira. Diante de todas essas possibilidades, Ariano Suassuna disse que toda essa esculhambação tem uma origem.
Veja o que escreveu o mestre:
O culpado desta "desculhambação" não é culpa exatamente das bandas ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. “ Faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se".
Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas do turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de "forró", parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde.
Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos Alternativos de Belgrado, Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo estético. Pior, o glamour, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.
Aqui o que se autodenomina "forró estilizado" continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem "rapariga na platéia", alguma coisa está fora de ordem.
Quando canta uma canção (canção ?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é “E vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!", alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos, não precisa dizer mais nada.
A minha opinião comunga com a do mestre e de tanta gente que gosta da boa música brasileira. O que percebo é que essas “músicas” incentivam e estimulam a violência; tornam as relações banais e fazem acreditar que a porrada e a falta de respeito entre as pessoas estão “na crista da onda”. Neste sentido, a vida perde toda a sua essência. O que nos move é o princípio do prazer.
Fonte: Paraíbanews.com
Célia Leal
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