12 de set. de 2013

Quatro ministros admitem Embargos Infringentes no STF

Quatro ministros admitem Embargos Infringentes no STF
Para quatro ministros do Supremo Tribunal Federal, 11 dos 25 réus condenados na Ação Penal 470, o processo do mensalão, terão o direito de contestar a decisão que os condenou nos casos em que houve quatro votos pela absolvição. Outros dois entendem que o direito não é previsto na legislação brasileira e os casos não devem ser rediscutidos.
Esse é o quadro, até agora, do julgamento que decidirá se o STF admite julgar Embargos Infringentes contra decisões tomadas em ações penais originárias que tramitam perante a Corte. Ou seja, se têm direito a recurso, já que o julgamento, nestes casos, é feito em instância única.
De acordo com a maioria dos ministros até agora, a Lei 8.038/1990, que regulamentou o trâmite de processos no Superior Tribunal de Justiça e no STF, não revogou o inciso I do artigo 333 do Regimento Interno do Supremo, que prevê expressamente a possibilidade de a defesa ingressar com Embargos Infringentes.
O texto fixa o seguinte em seu artigo 333: “Cabem Embargos Infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I — que julgar procedente a ação penal. (...). Parágrafo único — O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta”.
O Regimento foi recepcionado pela Constituição de 1988. Assim, ganhou força de lei ordinária. Mas, depois, houve a sanção da Lei 8.038/1990, que regula o trâmite de processos no tribunal. E a norma silencia sobre a possibilidade de Embargos Infringentes. Assim, para os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Dias Toffoli, continua a valer a regra prevista no Regimento Interno. Já os ministros Joaquim Barbosa e Luiz Fux entendem que a lei revogou tacitamente a norma regimental.
Três condenados por lavagem de dinheiro que obtiveram quatro votos pela absolvição podem ter o direito de rediscutir seus casos. São eles Breno Fischberg, João Cláudio Genu e João Paulo Cunha. Outros oito poderão rediscutir suas condenações pelo crime de formação de quadrilha: José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Kátia Rabello e José Roberto Salgado, todos condenados por seis votos a quatro.
Se acolhidos os infringentes, há a possibilidade de um décimo segundo recurso. Isso porque a defesa de Simone Vasconcelos pretende contestar a dosimetria pelas condenações por lavagem de dinheiro (cinco anos de prisão) e evasão de divisas (três anos, cinco meses e vinte dias). Isso porque, nestes casos, ela teve quatro votos pela aplicação de penas menores às que foram determinadas.

A discussão
O ministro Luís Roberto Barroso, primeiro a divergir do presidente do Supremo, para quem os Embargos Infringente são ilegais (clique aqui para ler), contrapôs ponto por ponto o voto de Barbosa contra a admissão dos embargos. Barroso fez declarações fortes.
Segundo o ministro, o pronunciamento, agora, pela revogação do artigo 333 do Regimento Interno representaria uma mudança clara na orientação que os ministros sempre indicaram. De acordo com ele, “Estado de Direito, segurança jurídica e o princípio da legalidade são incompatíveis com uma mudança dessa natureza no curso de um processo”.
De acordo com Barroso, o Supremo jamais sustentou o argumento da revogação do cabimento de infringentes. “Seria imprópria uma mudança da regra do jogo quando ele se encontra quase no final. Não é razoável sujeitar processo tão emblemático a uma decisão casuística de última hora”, afirmou. O ministro disse que, mesmo tendo sido o Regimento Interno modificado 48 vezes desde a Constituição de 1988, jamais os ministros retiraram a previsão expressa do cabimento dos Embargos Infringentes. E os ministros sempre defenderam o cabimento do recurso quando abordaram a questão, ainda que de forma acessória.
O ministro Teori Zavascki deu a dimensão da peculiaridade do debate em curso no Plenário, nesta quarta, ao afirmar que coube justamente ao julgamento da Ação Penal 470 ter que se discutir a extinção de uma espécie recursal que teve origem em tempos coloniais.
Zavascki não se privou, portanto, de citar os antecedentes históricos dos Embargos Infringentes com o fim de argumentar que estes ainda mantêm a mesma característica essencial: a de um recurso equiparável a um pedido de reconsideração na própria instância que julgou o processo e pelo mesmo órgão que protelou a decisão embargada. Ou seja, permanece, assim, seu caráter revisório apesar das mudanças na sua configuração e de suas diferentes formas desde sua vigência nós códigos do império português.
Porém, a questão jurídica fundamental “a se identificar”, afirmou o ministro, é o sentido da omissão legislativa sobre o cabimento do recurso. Isto é: decidir se, pelo fato de a nova legislação não ter previsto o recurso, teria então a lei o efeito jurídico de eliminar a possibilidade de se recorrer de decisões como a do julgamento do mensalão.
O ministro traçou ainda um paralelo entre o debate sobre a admissibilidade dos embargos infringentes com a discussão sobre o cabimento de mandado de segurança em decisões interlocutórias durante os anos 1990. Também uma lei especial omissa levou a dúvida sobre o cabimento de recurso contra decisão interlocutória. Para Zavascki, o silêncio da lei não pode, portanto, ser interpretado como “absoluta irrecorribilidade”. Desta forma, ausente a regulação específica, deve valer a aplicação das normas gerais que disciplinam a fase recursal, observou o ministro.
De acordo com ele, o incômodo com o prolongamento do julgamento não deve tirar o foco da real questão por trás das dificuldades de se julgar uma ação penal deste porte em um tribunal constitucional: a da necessidade de reforma da Constituição para que se eliminem as inúmeras hipóteses de prerrogativa de função, para que processos como a AP 470 possam ser julgadas em instâncias ordinárias. Dessa forma, observou o ministro, essa é “a eloquente lição a ser tirada do julgamento da AP 470”. O ministro ainda disse que “conveniência ou inconveniência da lei não é, por si só, causa de sua revogação”.
A ministra Rosa Weber também acolheu a admissibilidade do recurso, ressalvando, entretanto, que não o fazia sob o argumento da ausência do duplo grau de jurisdição. Para a ministra, mesmo se reconhecendo que se trata de um recurso “arcaico, anacrônico e contraproducente”, nada autoriza o tribunal entender por sua revogação com base em uma lacuna legislativa. “A lei posterior revogou expressamente ou regulou na íntegra a matéria tratada no regimento?”, questionou a ministra.

Mito jurídico
O único ministro a acompanhar o relator pela rejeição da admissibilidade dos recursos foi Luiz Fux, de quem, a exemplo do julgamento de mérito, vieram os posicionamentos mais duros contra a defesa dos réus condenados. De acordo com o ministro, não faz sentido exigir que a lei especial regulasse especificamente a validade dos Embargos Infringentes em processos de competência originária do Supremo porque cabe à norma revogar e corrigir a matéria de caráter especial que trata e não reescrever o que deve ser regulado pelos códigos de processo penal e civil. Desta forma, para o ministro, “o silêncio da lei é eloquente” em favor de sua inadmissibilidade.
Fux também criticou o esforço de alguns colegas de recorrer aos antecedentes históricos dos Embargos Infringentes com o fim de reconhecer seu caráter de “pedido de reconsideração”. Fux lembrou que, apesar de vigorar no ordenamento jurídico do Brasil colônia, o recurso foi excluído do sistema legal do país na primeira metade do século XX para ser reintroduzido em 1952, já não mais com caráter recursal.
Luiz Fux disse ainda que a jurisprudência internacional das cortes de direito humanos, quando abordam a questão do duplo grau de jurisdição, se referem a instâncias originárias e a tribunais superiores, mas não de processos de competência originária de cortes supremas.
O ministro afirmou que mesmo que se tratasse da atuação do Supremo Tribunal Federal, por uma questão de soberania, os princípios colocados por cortes internacionais não deveriam ser observados. “Onde está a soberania do país para estabelecer seus tribunais”, disse Fux. Citando doutrinadores, o ministro referiu-se também ao duplo grau de jurisdição como um “mito jurídico” e chamou o eventual julgamento dos infringentes pela corte de “revisão criminal dissimulada”.
“A decisão que reforma é a pior que a reformada”, disse também ao se referir aos recursos como “delongas” e dizer que o direito à defesa não poderia se sobrepor aos “direitos fundamentais da coletividade”. Para Fux, se a corte acolher a admissibilidade dos embargos infringentes, corre o risco de dar vazão à “generalidade desconfiança quanto ás decisões da corte”.

Por Rafael Baliardo e Rodrigo Haidar

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