"Humanismo e crítica democrática" foi o último livro concluído pelo crítico e ensaísta palestino Edward Said antes de sua morte, em 2003. Não fosse o seu tamanho relativamente diminuto (apenas 183 páginas) e o fato de ser uma coletânea de ensaios e palestras, poderíamos dizer, sem receio, que é a obra mais representativa dos fundamentos filosóficos e culturais sobre os quais se assentam os demais trabalhos de Said, como os celebrados "Orientalismo" e "Cultura e Imperialismo" (bem como a sua incansável militância em prol da causa palestina), livros na mesma medida influentes e mal entendidos tanto pelos seus admiradores quanto pelos seus críticos.
Lidas à luz dos cinco ensaios que compõem o livro, as demais obras de Said revelam-se não como aquelas denúncias raivosas contra a opressão e a exploração colonial que os seus adversários mal intencionados tentavam fazer crer que são, mas sim como alertas contra o fechamento progressivo da mente dos países ocidentais para as demais produções do espírito humano.
Said busca aqui recuperar a velha noção de humanismo, tão bem representada pela conhecida frase de Terêncio — "sou homem e nada de humano me é estranho" -, propondo que a aventura intelectual de cada um não seja limitada por preconceitos e barreiras inventadas e, ao mesmo tempo, permaneça ancorada na tradição cultural do Ocidente, à qual ele, Said, por formação pertence e à qual prestou reverência a vida inteira.
Emerge, portanto, da leitura destes cinco ensaios — do quais pelo menos dois, "O regresso à filologia" e "Introdução a 'Mimesis', de Erich Auerbach", merecem o título de magistrais — um Said que mais parece um Julien Benda (que foi alvo de suas críticas) do que um Homi Babbha (que é um discípulo confesso seu), um "homme de lettres" apologista do universalismo, crente na dignidade e no valor essencial de todos os homens, inimigo dos extremismos e exclusivismos e movido por uma quase comovente confiança no conhecimento, na cultura e no homem.
fonte http://www.digestivocultural.com/
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