2 de ago. de 2015

Veríssimo revela o segredo de alguns políticos brasileiros


O escritor Luiz Fernando Veríssimo, em sua crônica "O Brasil explicado em galinhas", desenha com extraordinária fidelidade o mapa político do Brasil.


De Brasília
Joaquim Dantas
Para o Blog do Arretadinho

E assim Veríssimo parece desvendar a trajetória política de alguns caciques que ocupam cargos eletivos no Brasil, alguns em muita evidência nos dias atuais.  Embora seja uma obra de ficção, a crônica descreve com muita fidelidade como muitos políticos no país chegaram onde chegaram.

Confira:

O Brasil explicado em galinhas
Por Luiz Fernando Veríssimo

Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e o levaram para a delegacia.
D - Delegado
L - Ladrão

D - Que vida mansa, heim, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para a cadeia!

L - Não era para mim não. Era para vender.

D - Pior, venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha!

L - Mas eu vendia mais caro.

D - Mais caro?

L - Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas galinhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.

D - Mas eram as mesmas galinhas, safado.

L - Os ovos das minhas eu pintava.

D - Que grande pilantra... (mas já havia um certo respeito no tom do delegado...)

D - Ainda bem que tu vai preso. Se o dono do galinheiro te pega...

L - Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiros a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um ovigopólio...

D - E o que você faz com o lucro do seu negócio?

L - Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços.

O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou:

D - Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?

L - Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior.

D - E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?

L - Às vezes. Sabe como é.

D - Não sei não, excelência. Me explique.

L - É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. O risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora fui preso, finalmente vou para a cadeia. É uma experiência nova.


D - O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso não.

L - Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!

D - Sim. Mas primário, e com esses antecedentes... 

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