4 de ago. de 2016

Alinhamento com EUA traz instabilidade à América do Sul

Foto Joaquim Dantas/Arquivo
Foto Joaquim Dantas/Arquivo
Serra se alinha aos Estados Unidos e promove instabilidade na América do Sul
“Ideia atrasada e míope é a de retomar as posições dos países alinhados aos EUA, uma ideia dos anos 1990, ultraliberal, de um bloco dos pobres que vão receber ajuda dos ricos", diz professora da UFRGS

por Eduardo Maretti, da RBA

São Paulo – No momento em que o Brasil, principal força econômica regional, assume a postura de negar legitimidade à Venezuela para assumir a presidência do Mercosul, a interpretação possível é que o governo interino brasileiro aposta na instabilidade da América do Sul. “Só podemos pensar que, em vez de contribuir para a estabilidade, a atual política contribui justamente para a instabilidade da região”, diz a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Analúcia Danilevicz Pereira.

“A ideia é retomar as posições dos países mais alinhados aos Estados Unidos, ideia dos anos 1990, ultraliberal. É a ideia de um bloco dos pobres que vão receber a ajuda dos ricos. Essa visão é extremamente atrasada e míope em relação às mudanças internacionais dos últimos anos”, acrescenta. “É um retorno ao que foi o ultraliberalismo dos anos 90.”

Depois do silêncio em que se manteve nas últimas semanas, sobre o impasse na transferência da presidência do Mercosul, do Uruguai para a Venezuela, o ministro interino das Relações Exteriores do Brasil, José Serra, se manifestou na segunda-feira (1°), após Caracas comunicar que estava assumindo o comando do bloco. Serra informou que o país considera “vaga a presidência pro tempore do Mercosul”, o que consolida a postura de boicote de Brasil e Paraguai, principalmente, e da Argentina de Mauricio Macri, mais discretamente. O boicote vale tanto em relação ao governo de Nicolás Maduro quanto ao bloco regional.

Para Analúcia, é “curiosa” a postura do atual chanceler, de abandonar a política externa dos governos petistas, que priorizava o multilateralismo e “se definia pelo pragmatismo”, segundo ela. Outra característica desenvolvida pelo Itamaraty no período anterior, em sua opinião, era desenvolvida “no sentido de garantir a cooperação em detrimento do conflito”.

Com essa política de cooperação e procura de superação de conflitos nos últimos 13 anos, o Brasil desempenhou papel fundamental, por exemplo, no acordo entre Irã e Turquia sobre combustível nuclear, em 2010.

A situação de crise interna pela qual passa a Venezuela é um cenário que se adequaria à política de cooperação, o inverso da prática de Serra. “A Venezuela precisaria justamente de um apoio mais substantivo dos demais países para superar essa crise”, diz a professora. “Com Lula e Dilma, o Brasil foi acusado de ideologizar a política externa. É curioso isso. Agora vem um ministro que age com uma conduta extremamente ideológica, condenando, reprimindo, criticando e tentando excluir o país do conjunto regional, dos processos integrativos, principalmente o Mercosul.”

Em entrevista, ontem (2), à TVT, o jornalista Igor Fuser, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), manifesta opinião semelhante sobre a guinada e a contradição do Itamaraty sob o comando do chanceler interino. “Os mesmos que pouco tempo atrás diziam que a política externa (do governo Dilma) era ideológica, que não era regida por interesses de Estado, hoje jogam no lixo o interesse de Estado do Brasil, em função de uma questão partidária.” Para ele, a postura do governo interino brasileiro tem também o objetivo de “ajudar os partidos venezuelanos que são iguais” aos que participam do golpe parlamentar no Brasil.

Fuser diz que, por trás da posição brasileira, existe a “tentativa de interferir na política interna da Venezuela: eles querem prejudicar um governo de esquerda, criar uma situação vexatória para favorecer a direita dentro da Venezuela”.

Regra é clara
Paraguai e Brasil argumentam que a Venezuela não incorporou cláusulas e protocolos econômicos e relativos aos direitos humanos e, portanto, não é membro pleno do bloco. Para Igor Fuser, tal posição é um “pretexto”. “A regra é muito clara: o mandato de cada país dura seis meses e ao final desses seis meses entra o próximo país na ordem alfabética. A mudança é automática. Não depende de uma decisão dos países membros. A regra é cumprida há 25 anos.”

Diante do impasse que se manteve durante todo o mês de julho, o Uruguai declarou encerrada sua gestão na sexta-feira (29) e, imediatamente, a Venezuela anunciou que assumia a presidência do bloco.

Em artigo na revista Carta Capital, o ex-ministro das Relações Exteriores do governo Lula, Celso Amorim, afirma que “o Mercosul passa pela maior crise desde a sua criação, em 1991”.

Nele, Amorim diz que “privar a Venezuela da presidência do Mercosul em nada contribuiria para melhorar a situação no país vizinho”. Segundo ele, “a psicologia do ‘cerco’ nunca produziu bons resultados”. “A menos que o objetivo seja outro: o de contribuir para uma desestabilização maior da Venezuela, sem atentar para as terríveis consequências que isso acarretaria.”

Confira reportagem da TVT

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