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Avaliação é de que o texto tramitará na Casa levando-se em conta problemas que os parlamentares têm com a Justiça
por Hylda Cavalcanti, da RBA
Brasília – Poucos parlamentares do PSDB ou mesmo da base do governo se pronunciaram, hoje (8), sobre o envio do processo contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG), que tramitava no Supremo Tribunal Federal (STF), para a Justiça Estadual de Minas Gerais. Mas assim que o ministro Alexandre de Moraes comunicou a remessa, vários grupos se reuniram em gabinetes diferentes, no Congresso Nacional, de forma discreta. Eles conversaram com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre estratégias a serem adotadas daqui por diante em relação ao tema, uma vez que a proposta referente ao foro privilegiado, aprovada no ano passado pelo Senado, estava na Câmara desde então aguardando a instalação de uma comissão especial.
Maia já tinha anunciado, horas antes, que instalaria a comissão amanhã (9), às 14h. O entendimento dos deputados e senadores em reservado é de que chegou a hora de o Legislativo também se debruçar sobre a questão. Sobretudo diante da decisão adotada na última semana, pelo Supremo, de restringir o foro e do envio, por parte do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos últimos dias, de processos de ex-governadores e parlamentares para os estados.
Entre os que não possuem denúncias contra si e analistas legislativos, a avaliação que se faz é de que não está em jogo, desta vez, qualquer questão partidária ou de arranjo eleitoral, mas a situação de cada parlamentar que enfrenta problemas com a Justiça. Fator que será levado em conta na tramitação da proposta.
Para muitos parlamentares, pesou a posição de um dos deputados mais identificados com o mundo jurídico, Wadih Damous (PT-RJ), ex-presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ele destacou que o foro por prerrogativa de função foi criado para que 58 mil autoridades do país pudessem, justamente, ser protegidas de qualquer tipo de pressão no exercício do cargo ou função. E isto, a seu ver, “é um atributo do Estado de Direito e da democracia”.
Com base nesse entendimento, Damous não acha que a decisão recente da mais alta Corte do país de restringir o alcance do foro vá acabar com a impunidade. E ressaltou que essa mudança pode até mesmo ser utilizada para proteger políticos desonestos na Justiça dos seus estados.
O parlamentar, que já chegou a afirmar ver em Aécio Neves como “uma das mais abomináveis figuras da República, ao lado de Michel Temer”, destacou que, ainda assim, não pode defender qualquer iniciativa com a qual não concorde. E entende que o foro privilegiado, da forma como foi alterado pelo STF, deu aos juízes de primeiro grau poderes para protegerem e para perseguirem quem bem entenderem. “Estão dando poderes sem precedentes aos magistrados da primeira instância”, ressaltou.
PSDB evita assunto
Entre os tucanos, senadores e deputados evitaram falar no assunto. A maioria preferiu adotar o discurso de que “decisão de Justiça não se contesta”, e o objetivo é que o senador Aécio Neves “prove sua inocência”. Esse foi o tom de conversa do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) com alguns paraibanos que o procuraram no cafezinho do plenário, ao saber da notícia.
Cunha Lima já tinha dito anteriormente que apoia o fim do foro privilegiado e lembrou gesto do seu seu pai, o ex-senador Ronaldo Cunha Lima, falecido em 2012, em defesa do fim do foro. Na verdade, Ronaldo Cunha Lima pediu para deixar de ter prerrogativa de foro quando um processo histórico de tentativa de homicídio movido contra ele chegou perto de ser votado pelo STF. O ex-senador e ex-governador da Paraíba abriu mão da prerrogativa para que a ação voltasse a tramitar na vara de origem, em João Pessoa, protelando mais uma vez a conclusão de seu julgamento.
Estão entre os que defendem o fim do foro privilegiado, além de Cássio Cunha Lima, os senadores Ronaldo Caiado (DEM-GO), Eduardo Braga (PMDB-AM), Reguffe (sem partido-DF), João Capiberibe (PSB-AP) e Fátima Bezerra (PT-RN). Mas não se sabe se integrantes destes partidos na Câmara vão votar da mesma forma que seus colegas do Senado durante a apreciação da matéria.
Ao falar sobre o assunto, Rodrigo Maia disse que decidiu criar a comissão especial em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 333/17, em dezembro, logo depois que a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou a sua admissibilidade. Mas os deputados escolhidos podem ter de ser revistos, por conta da troca de legendas feita em abril, com alteração do tamanho dos blocos formados por essas siglas no Congresso.
“A decisão do Supremo, com todo respeito, é inconclusa e incompleta. Precisamos agora fazer nossa parte apreciando a proposta nesta Casa”, disse.
A comissão será formada por um total de 35 deputados. Segundo informações da mesa diretora da Câmara, 28 vagas estão preenchidas, faltando outras oito. Na reunião de amanhã, será definido quem ficará na presidência e na relatoria do texto e quais as trocas sugeridas por cada legenda.
Na decisão do início desta tarde, o ministro Alexandre de Moraes enviou para a primeira instância não apenas o caso de Aécio Neves, mas também de outros parlamentares.
Foram outros seis inquéritos encaminhados para o Judiciário em vários estados.São ações relacionadas aos deputados Roberto Rodrigues Goes (PDT-AP), César Halum (PRB-TO), Carlos Henrique Amorim (DEM-TO), Luís Nishimori (PR-PR), Herberte Lamarck Gomes (PSDB-PE) – mais conhecido como Betinho Gomes –, Valdir Rossoni (PSDB-PR) – até bem pouco tempo afastado da Câmara porque ocupava a secretaria estadual da Casa Civil do seu estado – e Ricardo Teobaldo Cavalcanti (Pode-PE).
No caso do senador do PSDB, a ação na qual ele figura como réu foi enviada à Justiça Estadual, em Belo Horizonte. Diz respeito ao caso relacionado a um suposto cartel formado para fraudar licitações na construção da cidade administrativa do governo de Minas, no período em que Aécio foi governador.
PEC da Câmara
A PEC 333, caso seja aprovada da forma como se encontra, abrange o fim do foro para crimes cometidos por deputados, senadores, ministros de Estado, governadores, prefeitos, ministros de tribunais superiores, desembargadores, embaixadores, comandantes das Forças Armadas, integrantes de tribunais regionais federais, juízes federais, membros do Ministério Público, procurador-geral da República e membros dos conselhos de Justiça e do Ministério Público.
A matéria só mantém o foro para o presidente e o vice-presidente da República, o chefe do Judiciário, e os presidentes da Câmara e do Senado.
Muita gente considera improvável que a proposta venha a ser aprovada até dezembro, por conta da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, que impede o Congresso Nacional de aprovar mudanças na Constituição neste período. Mas Maia tem dito que, mesmo com a intervenção, acredita ser possível caminhar na comissão especial. “O importante é deixarmos o texto bem discutido e pronto para ser votado no plenário assim que a intervenção acabar”, afirmou.
O senador Randolfe Rodrigues, relator de proposta que tramitou no Senado em abril do ano passado, disse que, independentemente de preocupações com essas ações em primeira instância, é importante que texto seja apreciado pelo Congresso em sua totalidade. “O fim do foro privilegiado coloca o Brasil no rol das nações democráticas e republicanas. Todos sabemos que o foro é um resquício aristocrático e monárquico”, acrescentou.
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