23 de nov. de 2018

Mourão começa a tornar públicas suas divergências com Bolsonaro

Em entrevista à jornalista Monica Bergamo, da Folha de S. Paulo, o vice-presidente eleito Hamilton Mourão mostrou que diverge de posições de Jair Bolsonaro e dos seus futuros ministros.

Segundo Mourão, sua função no governo será a de “monitoramento das atividades ministeriais e das políticas públicas”: “A ideia fundamental junto ao presidente é que, como vice, eu tenha sob meu encargo aquelas subchefias que hoje estão parte na Casa Civil e parte na Secretaria-Geral e que conformam a atividade de controle dos ministérios, de políticas públicas e do PPI [Programa de Parcerias de Investimentos]”.

Com relação à política externa, o general da reserva descartou uma intervenção militar na Venezuela, defendeu a importância de manter as relações comerciais com a China e disse que a decisão de transferir a embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém deve considerar a reação do mundo árabe e a possiblidade de o Brasil se tornar alvo de terrorismo internacional.

Mourão também afirma que “não resta dúvida” de que exista o aquecimento global e rejeita a ideia de que seja “um trama marxista”, como defende o futuro chanceler Ernesto Araújo. Sobre o Mercosul, o general disse que antes de “extingui-lo”, o Brasil deve se esforçar para atingir os objetivos do acordo comercial.

Com relação à privatização da Petrobras, Mourão disse que a estatal não será “vendida”.

O vice-presidente eleito também nega a possibilidade de uma tutela militar e da politização nas Forças Armadas.

Leia abaixo os melhores trechos da entrevista:

Relação com os EUA
A posição brasileira tem sido sempre marcada por um certo pragmatismo. A gente tem que buscar nossos objetivos e os países que fortaleçam a conquista desses objetivos. A posição dos EUA é inquestionável. É a potência hegemônica, que tem capacidade de travar guerra em dois locais diferentes ao mesmo tempo e grande projeção tecnológica. É um mercado a ser explorado e uma parceria estratégica. Mas não podemos descuidar dos outros grandes atores da arena internacional. Não podemos nos descuidar do relacionamento com a China.

China
Exatamente. Nós podemos comprar as brigas que podemos vencer. As que a gente não pode, não é o caso de comprar. Uma briga com a China não é uma boa briga, certo? Tenho certeza absoluta de que nós não vamos brigar —34% das nossas exportações são para a China. Não podemos fechar esse caminho pois tem outros loucos para chegarem nele.

Embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém
É óbvio que a questão terá que ser bem pensada. É uma decisão que não pode ser tomada de afogadilho, de orelhada. Nós temos um relacionamento comercial importante com o mundo árabe. E competidores que estão de olho se perdermos essa via de comércio. Há também uma população de origem árabe muito grande em nosso país, concentrada nas nossas fronteiras. Temos sempre que olhar a questão do terrorismo internacional oriundo da questão religiosa, que poderá ser transferida para o Brasil se houver um posicionamento mais forte em relação ao conflito do Oriente Médio. Agora, dentro daquela disciplina intelectual: após estudado o assunto, espancada a ideia, tomada a decisão, vamos com ela.

Aquecimento global
Não resta dúvida de que existe um aquecimento global. Não acho que seja uma trama marxista. Mas vamos falar do outro lado da moeda: o ambientalismo é utilizado como instrumento de dominação indireta pelas grandes economias. Quando você coloca amarras no nosso país por meio de um ambientalismo xiita, de ONGs, você tolhe um pouco o potencial que o país tem.

Mercosul
O Mercosul, como acordo de comércio, não está cumprindo a sua função. Então, antes de pensarmos em extinguir, derrubar, boicotar, temos que fazer os esforços ainda necessários para que atinja os seus objetivos. Tem que haver uma conversa maior com os nossos vizinhos. Principalmente com a Argentina.

Venezuela
Descartada [a possibilidade de uma intervenção militar], é lógico. Não faz parte da nossa tradição diplomática a intervenção em assuntos internos de outros países.

O que o Brasil pode fazer é participar do esforço conjunto internacional para que a democracia retorne ao país, mas com uma pressão diplomática, sem retaliações.
O pessoal gosta de falar de governo militar. Lá é realmente um governo militar porque as Forças Armadas estão em todas as atividades do país.

Existe uma corrupção muito grande nas Forças Armadas venezuelanas. Elas perderam a mão em relação à missão que têm no país. O regime do [Nicolás] Maduro vai cair de maduro. Essa é a realidade.

E, para quem conhece a história da Venezuela [Mourão foi adido militar no país de 2002 a 2004], o meu temor é que a situação descambe em uma guerra civil violenta. As Nações Unidas teriam que intervir, por meio de uma força de paz. Aí o Brasil teria que ser líder. Pela vizinhança e pela nossa experiência.

Tutela militar
Em nenhum momento houve isso, né? Não houve essa tutela [nos anos recentes]. O que aconteceu ao longo desse período? O país entrou numa tal rota de falta de ética, de corrupção, ineficiência e má gestão que a população como um todo passou a se voltar para as Forças Armadas. E as Forças Armadas se mantiveram calmas e tranquilas em suas funções. Ninguém saiu do quartel nem nada.

Agora, qual é a nossa missão? Defesa da pátria, garantia dos poderes constitucionais, garantia da lei e da ordem. Então tudo aquilo que poderá perturbar o desempenho de qualquer um dos Poderes constitucionais ou a lei e a ordem é algo que nos preocupa. Vamos imaginar que os dois lados começassem a se digladiar na rua. Qual é a única hipótese que poderia haver de as Forças Armadas terem que intervir? Se houvesse o caos.

A decisão [sobre o habeas corpus de Lula] não tem nada a ver. O que acontece é que se houver o caos… eu já usei até uma figura de retórica: o país está naufragando, igual ao Titanic. Nós vamos ser a orquestra? Vamos continuar tocando e vamos todos para o fundo? Está na Constituição: as Forças Armadas não podem deixar o país ir para o caos. A libertação do Lula instalaria o caos? Não sabemos. Vamos ficar devendo essa.

Zero, zero risco [de uma eventual politização das Forças Armadas]. O pessoal da reserva [participou das eleições]. Mas ninguém foi fazer propaganda dentro dos quarteis. É proibido isso.

Privatização da Petrobras
Você não vai vender a Petrobras.

Isso aí tem que ser por etapas. Nós temos problemas na distribuição que chegam a ser irracionais. Por exemplo, o camarada em Ribeirão Preto produz álcool. O produto é retirado dali, é levado para [a refinaria de] Paulínia e depois volta para ser vendido em Ribeirão. Isso é irracional, né? Então a gente pode começar racionalizando, liberando a venda, por exemplo, junto ao produtor, vai baratear custos.

Refino já tem que ser um outro estudo aí para a gente chegar à conclusão do que é importante.

Tem muita visão nacionalista, aquele nacionalismo arcaico. Nos EUA, na Inglaterra, todo mundo refina. Eu acho que essa não é a questão principal da Petrobras. Ela não ficou ineficiente por ser uma estatal. Foi porque o governo colocou gente lá dentro com outros objetivos. Se gerenciada de forma profissional, ela dará lucro, como vem dando ao longo do tempo.

Revisão da Lei da Anistia
Esqueceram como ela ocorreu. Vamos lembrar que determinados setores da esquerda não queriam a amplitude em relação a eles mesmos. Ela foi ampla, geral e irrestrita, algo concertado com a sociedade em 1979.

O Brasil puniu quem tinha que ser punido e acabou. E tem muita gente que está solta aí [de esquerda] que foi anistiada e que matou gente. Quem não quer pacificar esse assunto não compreendeu a história do país. Está com a lanterna na popa.

POR NOCAUTE

Nenhum comentário: