16 de set. de 2013

Os partidos e as ruas

Os partidos e as ruas
por Cochise César
Escritor da inquietude 
no sitio Medium
Nota do Autor: Por questões de coerência e honestidade ele se sente na obrigação de informar que é militantes do PCdoB, marxista-leninista e extremamente satisfeito com seu partido, não acreditando que boa parte das criticas aqui se apliquem a seu próprio.]
Os partidos se tornaram o centro de uma discussão interessante nos últimos dias. Talvez a primeira vez em que a sociedade realmente se pôs a refletir sobre os partidos desde a redemocratização.
Infelizmente no calor das ruas o debate acaba sendo muito mais rasteiro do que deveria, se resumindo a “contra partidos” e “a favor de partidos”. Na internet, em um texto mais longo podemos analisar a questão com mais calma, até porque estamos às vésperas de um plebiscito sobre a reforma política.

O que é um partido?
Antes de mais nada, vamos definir sobre o que é essa coisa.
Um partido é um conjunto de pessoas, organizadas e associadas, com um objetivo comum. Não é, em essência diferente de uma ONG, um sindicato ou uma associação de moradores nesse sentido. A diferença começa e termina em que o objetivo de um partido passa por ou é a tomada do poder político da sociedade e que ele é o organismo que tem o reconhecimento legal para disputar os cargos de poder oficiais.
Essa capacidade tem o poder de transformar os partidos por completo e inverter sua lógica. De acordo com as leis brasileiras os partidos são fundados a partir de uma massiva manifestação de apoio, tem um conjunto de filiados que decidem de modo democrático quem são seus candidatos às eleições em convenções obrigatórias.
A verdade que estamos cansados de saber é que a maioria dos partidos é comandada por uns poucos caciques e que vários deles são legendas de aluguel para quem quiser concorrer e puder pagar o bastante.
Mas…

Todos os partidos são assim?
Felizmente não. Há vários partidos efetivamente populares e participativos onde a massa dos filiados pode efetivamente decidir seus rumos e cujos programas representam as vontades dos segmentos da sociedade que representa.
Mas o que está no centro da discussão hoje é outra coisa.

O oportunismo?
A maior acusação que se faz aos partidos que tentam se juntar à “voz das ruas” é a de oportunismo. Como essa palavra pode significar muita coisa assumo que o que se entenda por oportunismo no contexto atual seja se aproveitar da insatisfação popular relativamente espontânea para se fortalecer nas próximas eleições ou direcionar os movimentos para atingir seus próprios objetivos partidários.
Analisando friamente os fatos de que apenas partidos políticos podem exercer poder político direto, um partido que conquiste o apoio popular nas próximas eleições ao se unir às manifestações de um lado e defender suas bandeiras na estrutura de poder de outro, está sendo um excelente partido ao representar os manifestantes e é a melhor opção deles para alcançarem seus objetivos .
Claro que eles podem desconfiar de futuras “traições” como por exemplo o que Renan Calheiros está fazendo, ao contrabandear matérias conservadoras para a agenda do Senado sob a alegação de atender pautas progressistas. Ter fidelidade maior às causas que aos partidos, manter certa distância é saudável se você é movimento social.
Mas distância é diferente de tratar como inimigo. Até porque, se um partido está realmente lutando pelas suas bandeiras dentro da estrutura política, é porque esse partido, pelo menos até certo ponto te representa e, caso ele conquiste mais poder político você será uma pessoa mais feliz.

A outra acusação, a de querer dirigir o movimento, é mais complexa. Podemos passar décadas debatendo se grupos organizados em partidos tem realmente um grau de consciência sobre os problemas sociais mais elevado e se o Que Fazer é um manual de aparelhamento ou não, mas não creio que essa seja a verdadeira discussão.
Para mim o que realmente está em pauta é a organicidade do movimento nas ruas e o caráter orgânico da atuação partidária.
Um elemento partidário que siga a cartilha do Que Fazer vai se integrar organicamente a um movimento social, apoiando suas demandas, despendendo seus recursos em apoio ao movimento, oferecendo sua contribuição de trabalho, experiência e, se houver, poder político ao mesmo tempo que apresenta suas posições, “mais avançadas” e aguardar que a simples lógica inexoravelmente convença todos de que o marxismo está certo.

Sendo que a inserção orgânica dos partidos nos movimentos sociais é algo que é feito desde sempre e sempre continuará sendo feito e é essencialmente boa para os dois lados, uma vez que não há coerção em nenhum dos lados, mas apenas conhecimento, reconhecimento e convencimento, de lado a lado, o problema não é o partido em si, mas práticas que violentam os movimentos como o dirigismo e o aparelhamento. Partidos que tenham essas posturas devem ser criticados por agir assim, não por serem partidos.

Mas para onde ir a partir daqui?
Antes de mais nada, perceber que, na situação atual, onde partidos tem o “monopólio” da atividade política institucionalizada, somente através de partidos é possível realmente afetar o sistema sem derrubá-lo pela força. A não ser que você seja a favor de uma ruptura violenta da ordem instituída, você é a favor dos partidos, enquanto não houver uma quebra desse monopólio.
Mas um dos pontos que pode ser levantado na reforma política é exatamente esse, que outras associações além de partidos possam lançar candidatos. Nessa situação teríamos dois resultados básicos.

Limites difusos entre partidos e outras organizações sociais
Se qualquer entidade puder apresentar candidatos em uma eleição, isso elimina a diferença básica entre os partidos e outras organizações, fazendo com que qualquer entidade seja, potencialmente um partido. Isso faz por exemplo com que os partidos deixem de ser intermediários de movimentos como sociedades de proteção aos animais, trabalhadores sem teto, sem terra, etc. Isso também faz com que a suspeição que hoje recai sobre os partidos recaiam igualmente sobre todas as organizações.
Mais controle sobre outras organizações que não partidos
Partidos tem que obedecer ao código eleitoral, se submeter a uma série de regras e limites que não afetam outras entidades da sociedade. Caso essas entidades possam disputar eleições terão que se submeter igualmente a estes controle. Isso inclui controle mais rígido do número e data de associação, base de atuação territorial, destinação de recursos, etc.
Essa situação nos levaria a um debate sobre modernidade e pós, função dos partidos como guarda chuvas, necessidade ou não se contrapor a “luta política” à “luta econômica”, mas no fim das contas sua principal consequência seria transformar todos em partidos.

Os políticos personalistas e fisiocráticos atuais não deixariam de existir e não precisariam se submeter a partidos existentes, podendo fundar ou aparelhar organizações muito menores e que causam menos dor de cabeça, de acordo com o tamanho de suas ambições por exemplo, fazendo com que as associações, ONGs e etc. se tornassem ainda piores que os piores partidos de hoje. A verdade é que a suspeição paira sobre os partidos porque os partidos podem ser usados para alcançar o poder, e o poder corrompe. Expandir o conjunto de associações de pessoas que podem ser usadas pra alcançar o poder é simplesmente expandir o número de organizações suspeitas. A única maneira de “escapar à corrupção” seria então não disputar o poder, mas isso simplesmente não faz sentido.
Mas se a quebra do monopólio dos partidos não adianta, qual a solução?

Precisamos de partidos melhores
Delimitando um “nós” como sendo quem está na rua, insatisfeito com a situação atual mas consciente de que devolver à direita o pouco poder que eles perderam na última década seria um desastre; que não se sente representado por partidos mas consciente de que uma ditadura apartidária seria imensamente pior, delimitamos que precisamos de partidos melhores. Precisamos que os partidos tenham mais tato ao lidar com movimentos sociais, que sejam mais abertos às demandas populares, mais oxigenados. Precisamos que as instâncias mais altas se comuniquem mais com as bases, alguns dirão que é preciso que a estrutura seja horizontal.
Só que há uma verdade cristalina nisso. Somos nós, dentro dos partidos que vamos transformá-los. Somos nós, que vamos nos reunir e fundar esse partido ideal. Somos nós, que temos que falar dentro das instâncias partidárias se queremos mesmo que os partidos nos escutem. Não participar de partidos, e existem partidos para todas as posições e opiniões, é basicamente deixar que outros exerçam o poder.

E delimitando também um “eles”, que são os donos do poder econômico que elege as maiorias nas casas legislativas, que mantém seus projetos de poder pessoal e familiar com concessões públicas de rádio e TV, percebemos que eles não precisam de partidos diferentes da massa média peemedebista fisiocrática atual, e resistirão bravamente à tentativas de democratização partidária.
É preciso que o nós não perca tempo com os partidos d’eles, que avalie se algum dos atuais defende suas posições e faça a escolha de se juntar a um ou fundar um novo, mas é preciso antes de mais nada perceber que “partido” é toda organização que disputa o poder, seja ela chamada de ONG, coletivo, igreja ou até mesmo partido, portanto dizer que partidos são ruins é a mesma coisa que dizer que disputar o poder é ruim, afirmação digna dos piores fascistas ditatoriais. Esse mundo novo que nós queremos passa por dentro dos partidos,sejam eles os atuais ou novos, sejam chamados de partidos ou outra coisa.

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