por Iberê Lopes
Projeto de lei que pode obrigar as bibliotecas públicas a terem um exemplar da Bíblia em seu acervo está pronto para votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
O deputado Filipe Pereira (PSC-RJ), justifica a apresentação da proposta na tradição cristã e na necessidade de acesso das pessoas mais carentes ao livro.
Claro que carrego a tinta na ironia num momento desses. Pense comigo. Nossos filhos estarão salvos dos males do mundo, sob a proteção de Deus, até quando estiverem estudando. Se temos a diversidade como uma característica do Brasil devemos, por respeito aos demais credos, impor a leitura de todas as religiões. Até que espaços importantes de reflexão se tornem também locais de proselitismo.
E mais. As demais tradições, que não tem um profeta, uma escritura "sagrada" e são politeístas deverão manter um sacerdote na biblioteca para ensinar aos alunos(do grego alunus: sem luz) a melhor forma de sacralizar a sua experiência na terra. Cultos para dogmatizar e formatar o pensamento das crianças será o próximo passo?
Confesso meu receio de estar em curso um golpe, propagado em templos religiosos protestantes e presente na boca de conservadores fãs da ditadura militar. Digo isso pela evidência de tantos discursos de ódio em relação as religiões não confessionais/cristãs e preconceito de toda a natureza rondando nossa sociedade. Engraçado é que escuto o tempo todo uma ladainha sobre golpes comunistas e cartilhas contendo apologia ao homossexualismo.
Aqui estão apenas elementos que me permito colocar para pensarmos. Nada de intolerância com meus muitos amigos e amigas de diferentes denominações e ideologias. Qualquer tentativa de implementar teocracias e totalitarismos, de fato, me deixam arrepiado. Se sou perseguido por ser umbandista, comunista e jornalista hoje. O que será de mim num País de Bolsonarinhos e Felicianinhos.
Mais um ponto para fechar. Notei a existência de um templo próximo a uma biblioteca pública, no que antes era área do Estado, localizado no Cruzeiro Velho (Região Administrativa de Brasília). Lembrei aos poucos como começou aquela obra. Uma tenda em lona, onde a libertação era anunciada aos brados.
Em menos de 10 anos o lugar está imponente, com paredes altas, janelas em vidro, portas abertas e atendimento diário. Erguido em um espaço público sem permissão. Portanto, invadido para promover "a palavra". Ficou uma pergunta me cutucando: e se fosse uma religião de tradição ameríndia ou afrobrasileira seria tratado de maneira tão condescendente pelo Estado?
Assim, não é a presença da Bíblia nas escolas ou em bibliotecas que me afeta. Embora não admita que meus filhos passem por esse processo de catequização ou evangelização sem que concordem. O que me assombra, sobretudo, é a naturalização, a permissividade e a manutenção de alguns credos em detrimento de outros. Esse tratamento desigual e desumano para com os diferentes que não se adequam a padronização estabelecida por quem deveria defender e proteger à todos indistintamente.
Enfim, estávamos falando de um projeto que pode obrigar bibliotecas públicas a terem a bíblia entre um exemplar de Machado de Assis e outro de Cora Coralina. Bem confortável ao lado de Ariano e Quintana.
A matéria seguiu para o Senado após ser aprovada por unanimidade em todas as comissões da Câmara dos Deputados. O relator no Senado, senador Marcelo Crivella, já proferiu seu parecer favorável argumentando que apesar de laico o Estado não necessariamente seja ateu. Se aprovado pela CCJ, o projeto será analisado pela Comissão de Educação (CE).
CONFIRA
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