@Cristovam Buarque
Eu tinha aprendido a colocar você no mesmo lugar que figuras chaves para compreender o mundo contemporâneo e desafiar a sociedade a encontrar saídas para os graves problemas sociais, sobretudo com os mais empobrecidos.
Eu o enxerguei durante algum tempo ao lado de figuras como Edgar Morin, Boaventura Souza Santos e Enrique Dussel. Você em muitas situações conseguia desconcertar um auditório inteiro com sua afiadíssima capacidade de questionar o senso comum em algumas áreas da política, sobretudo, da relação entre economia e educação.
A última proposta sua que relutei muito a compreender e aceitar dizia respeito à necessidade de federalizar a educação. Concordei não por princípio, mas vendo o que poderia ser um potencial para o país se o que foi feio com os Institutos Federais de Educação no que se refere à sua ampliação e interiorização fosse feito com a educação básica. Mesmo não concordando com algumas de suas ideias ou propostas, sentia a necessidade de me defrontar com elas, pois vinham de alguém cujo coração e mente pareciam movidos pelo desejo de mudança. Na minha juventude a palavra apartheid criou sentido ao ler textos seus.
Não vou me alongar, pois já não sinto que a distância que sinto existir entre nós quanto a política brasileira não se resolve mais com argumentos. Juro que acredito que o rumo que tomou em seu mandato e que culmina com sua participação no golpe que derruba a presidenta Dilma não me parece resultado sóbrio e racional. Se bem que aprendi com Hanna Arendt que o mal pode fazer uso de quaisquer mãos e mentes. O mal se banaliza. Assim não te vejo neste momento como via nas últimas duas décadas...De estar em apostando num mundo melhor.
Também preciso dizer que sei que você não tem nenhuma culpa sobre as expectativas ou imagens que fazia e que faço de você. Elas são de minha responsabilidade. Assim, você não me deve nada quanto ao que cultivei de sentimento e de pensamento a seu respeito. Eu que preciso me defrontar com a incapacidade minha de perceber movimentos meus e seus que fizessem com que nesse momento ímpar de nossa história estivéssemos com visões e posturas tão distantes.
A única coisa que, como seu eleitor em todas as eleições, exceto na que concorreu para a presidência, mas sobretudo, na última que concorreu e foi eleito também com meu voto para o Senado, preciso dizer.... Não foi para apoiar um golpe que votei em você. Se deseja que seu mandato realmente represente aqueles que votaram em você, saiba que meu voto, como de muita gente que conheço e votou em você não foi para autorizar essa sua postura diante do Impeachment. Esse voto não me representa.
Se é verdade que não compreendo sua postura nessa situação, preciso também dizer que não acredito que você acredita no que disse quando afirmou: "É divertido ver quem pediu voto para o Temer em 2014, e votou nele - eu não votei - agora falando tão mal. Não escolhi nem votei no Temer". É uma expressão tão idiota ou que pretende considerar seus leitores tão idiotas como se eles e elas passariam a não mais poder reclamar de nenhuma traição, de nenhuma trapaça, de nenhum golpe, pois um dia já confiaram naquele que agora apunhala de frente ou pelas costas. Para acreditar que você realmente disse isso com convicção preciso acreditar que você realmente mudou muito, muito além do que foi possível imaginar... E do que posso lamentar.
Nessa trama de coisas penso ser importante deixar claro que não gostava do governo Dilma, tinha mais críticas que o PSDB inteiro. Obviamente que eram e são outras críticas que aquelas nutridas em seu atual partido, mas o remédio para isso é outra coisa, não é um golpe.
Assim como não posso desconsiderar a traição de Temer (não com a Dilma, mas com o povo brasileiro) e toda uma lista de parlamentares, também não posso desconsiderar a sua. Pelo seu raciocínio acima, eu não posso reclamar de você, não posso falar mal de você pois eu votei em você. Lamento... Mas tanto pela falácia proferida como pela traição em curso, irei, como nessa carta aberta reclamar, protestar e denunciar...e muito.
Pedro Gontijo
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