Fico sempre muito feliz quando um desses delatores confinados em alguma masmorra de Curitiba delatam políticos e empresários que de alguma forma participaram do processo de Impeachment.
É delicioso escutar coisas como: Skaf recebeu propina; Serra recebeu uma bolada na Suiça; Aécio.. bem, Aécio é o campeão das delações. Mas, passada a euforia, lembro que esses homens hoje conhecidos como delatores estão presos sem que tenha havido um julgamento completo, sem que saibamos exatamente o que está acontecendo pelos porões dessa tal prisão em Curitiba, e a imagem me arrepia porque penso em outras épocas durante as quais suspeitos eram presos para que confissões fossem arrancadas, e elas foram algumas das mais grotescas da história.
A mentalidade inquisitorial é capaz de nos conduzir a lugares sombrios, mesmo que acabemos escutando do delator finalmente tudo aquilo que gostaríamos de escutar para justificar nossas teses porque uma vez suprimida a liberdade do inimigo fica imediatamente também suprimida a nossa.
Eu tinha uns 12 anos quando alguém no colégio colocou uma bombinha no telefone público. Foi um corre danado pelas salas de aula e os diretores nos reuniram na quadra poliesportiva para que quem fez aquilo se pronunciasse. Antes que alguém pudesse dizer qualquer coisa minha tia, que era uma das diretoras do colégio, disse: “Gostaria de lembrar que pior do que colocar uma bomba no telefone é dedar quem colocou a bomba no telefone”.
Tive a sorte de ser educada por essa mulher, a primeira feminista que conheci, e alguém que me ensinou que o princípio básico da moralidade é aplicar a nós mesmos as exigências que fazemos aos outros.
Desde então tenho em mim que a delação está entre as coisas mais podres do mundo, ainda que hoje ela seja a grande moda no Brasil.
E falamos de delações arrancadas de gente que está presa temporariamente, sabe-se lá em que condições mentais porque não imagino como seja você ser arrancado de casa, sem que haja um julgamento, privado de liberdade por meses e então, dia após dia, obrigado a falar e a delatar.
Não entendam esse texto como a defesa aos crimes que os delatores teriam cometido, ou com os quais estariam envolvidos, mas vale lembrar que o estado inquisitorial se define por não admitir como certa qualquer versão que não seja a dele. Assumir como verdade o que é ainda uma possibilidade é um crime moral, um que precisamos estar atentos para não cometer.
Diante de cenários tirânicos como esse, aplaudido pela opinião pública que é levada a acreditar que finalmente os verdadeiros culpados estão sendo presos, não importa se legítima oi ilegitimamente, fica aberta a possibilidade de todo o tipo de autoritarismo, como prender protagonista de peça considerada de mau-gosto político, como processar jornalista que faz críticas, diga-se pertinentes, a um juiz da suprema corte, como algemar estudantes que protestam em nome da educação e, ainda mais grave, como autorizar, via uma canetada, que o Estado torture crianças.
Enquanto tudo isso acontece, a opinião pública, levada a pensar que estamos passando por um período histórico de moralização política e amedrontada com o que é noticiado todos os dias, acaba fazendo o papel que o autoritarismo espera dela: exigindo que se tomem as medidas que acabarão por tirar nossas liberdades.
É muito conveniente porque assim o poder econômico, que é quem orquestra esse estado tirânico de coisas, não precisa sequer exibir ainda mais seus músculos: quem implora pelo abuso de poder é o povo que, diante de uma tela de TV hipnotizado pela voz dramática de William Bonner, baba bovinamente.
Viver sob o primado da hipótese sobre o fato é um risco enorme porque trata de privar autocraticamente a liberdade supondo que somos todos culpados a menos que consigamos provar o contrário, inversão grotesca de um dos mais básicos direitos do homem e da mulher. A menos que reajamos, esse desumano estado de coisas nos devorará a todos.
do blogdamilly.com
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