10 de ago. de 2017

Depois da Volks, outras empresas serão acionadas por violação de direitos humanos

Lúcio Bellentani (em pé), funcionário da Volks preso e torturado dentro
da fábrica, em1972: 'empresa vai ter de pedir desculpas a todos'
ANDRÉ BUENO/CÂMARA MUNICIPAL SP
Documentário feito na Alemanha que detalhou ligação da multinacional com a repressão foi exibido na Câmara paulistana. "Nossa briga é com o capital", diz ex-metalúrgico

por Vitor Nuzzi, da RBA

São Paulo – O caso da Volkswagen é o mais adiantado, mas não é o único na mira de trabalhadores e entidades que investigam o papel de empresas na colaboração com a ditadura instalada em 1964. Ontem (9) à noite, durante exibição de documentário produzido na Alemanha sobre a relação entre a Volks e a repressão no Brasil, nomes de outras empresas foram citados como possíveis alvos de representação no Ministério Público, que já apura a atuação da montadora desde 2015.

Entre essas companhias, estão a Embraer, a Companhia Docas, Itaipu e possivelmente a Petrobras. O objetivo é apurar o quanto as empresas colaboraram com a ditadura. O tema foi incluído em relatórios como os da Comissão Nacional da Verdade e o da comissão da Assembleia Legislativa paulista. "Não temos nada especificamente contra a Volks, temos contra muitas empresas", diz, esticando o "u", o ex-metalúrgico Sebastião Neto, responsável pelo projeto IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas), dedicado ao trabalho de recuperação de memória e apuração de fatos relacionados à ditadura, sob o foco da perseguição aos trabalhadores e a suas representações.

"Temos de brigar com o capital", afirma Neto. "Quem começou essa luta não fomos nós. Foram os familiares de mortos e desaparecidos, quando ninguém falava disso no Brasil." Para ele, a responsabilização por violações de direitos humanos ainda representa uma novidade na jurisprudência brasileira. O Judiciário costuma se basear na Lei de Anistia, de 1979, para negar punições a agentes do Estado envolvidos com tortura, desaparecimento e morte de militantes políticos.

A exibição do documentário Cúmplices? – A Volkswagen e a ditadura militar brasileira lotou o Salão Nobre, no oitavo andar da Câmara Municipal de São Paulo, com capacidade para 350 pessoas. Estavam lá vários ex-funcionários da Volks, Ford e outras empresas, militantes e ativistas de direitos humanos e muitos estudantes. O acesso à Casa foi dificultado por causa de ocupação iniciada nesta quarta-feira (9) no plenário da Câmara contra a política de privatização do governo João Doria (PSDB).

"Eles (jovens que participam da ocupação) vão resistir", dizia a vereadora Juliana Cardoso (PT), uma das que àquela altura, quase 20h, tentavam negociar com o presidente do Legislativo, Milton Leite (DEM), para viabilizar o fornecimento de água e alimentos. Ao abrir a sessão ao lado do ex-deputado estadual Adriano Diogo, ex-presidente da Comissão da Verdade da Assembleia paulista, ela relacionou a exibição do vídeo à ocupação, que chamou de "resistência da democracia".

Pedido de desculpas
O documentário, dos jornalistas alemães Stefanie Dodt e Thomas Aders, detalha a relação da Volks com a ditadura tendo como fio condutor a história do ex-metalúrgico Lúcio Bellentani, funcionário da Volks de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e à época militante comunista, preso na fábrica em julho de 1972 e torturado durante meses. A sua foto ao ser fichado no Dops, com o número 5.171, foi tirada ainda com macacão de operário. Ele e outros ex-trabalhadores acusam a empresa de colaborar com a repressão, dando nomes de ativistas e permitindo o acesso de policiais. Um historiador contratado pela própria montadora diz estar convencido de que isso realmente aconteceu e afirma, no filme, ser favorável a um pedido formal de desculpas. Um porta-voz da Volkswagen alemã afirma que a companhia aguarda o término da apurações para se posicionar.

Além de documentos, a evidência se reforça com depoimento do delegado aposentado José Paulo Bonchristiano, ex-chefe do Dops de São Paulo, afirmando que a empresa sempre atendia aos pedidos da polícia política. Ex-funcionário e ex-deputado estadual, Expedito Soares – autor, anos atrás, de uma denúncia de trabalho escravo em fazenda da empresa na região amazônica – diz que havia um "chiqueirinho", um local de confinamento, na própria fábrica da Volks em São Bernardo. "Eles confinavam lá durante 10, 15 dias, e aplicavam uma justa causa."

As reações mais audíveis da plateia, de repúdio, aconteceram durante intervenção do ex-diretor da Volks Jacy Mendonça, que foi presidente da Anfavea, a associação nacional das montadoras. No filme, o executivo nega a existência da própria ditadura e afirma que nunca houve prisões dentro da fábrica. Bellentani conta ter sido preso durante o trabalho, com agentes do Dops armados com metralhadoras na linha de produção e acompanhados de seguranças da companhia, e relata que começou a apanhar ainda na sala do departamento pessoal, antes de ser levado ao Dops. "Para prender no posto de trabalho, tinha de haver uma cooperação ativa da empresa", observa Neto.

"Isso para nós representa uma vitória", disse Bellentani ao rever o documentário. "A empresa vai ter de pedir desculpas a todos os trabalhadores e familiares que sofreram com a repressão. Não estamos atrás de uma indenização financeira, queremos uma indenização moral", acrescentou.

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