30 de jul. de 2020

A advocacia digital independente e coletiva está crescendo

Por Eduardo Koetz no Justificando

Até os dias atuais a advocacia foi vista como um grupo social único e similar com uma moral e ética própria, forma de agir e de atuar similares. Mas isso mudou.

No Brasil o crescimento demográfico da categoria profissional elevou a mais de 1,3 milhão de advogados[1] e o distanciamento social entre os advogados infere formas muito diferentes de ver o mundo, e interesses muito diferentes.

Nunca houve advogados tão ricos e nunca houve advogados tão pobres.

Os advogados há muito tempo deixaram de lado o romantismo da profissão e seus elevados preceitos morais e filosóficos para optarem pela prática pragmática do Direito e vender (a Ordem que me perdoe pela expressão) seu serviço como qualquer mercadoria. Esta é a realidade.

Alguns decanos da advocacia que iniciaram esta prática são hoje, os que mais criticam esta nova geração de advogados na disputa pelo melhor lugar na vitrine.

Nessa crítica, o discurso e a prática desses decanos e seus seguidores se afastam, manifestando uma contradição que coloca toda a classe em descrédito.

No fundo, há herança de uma época em que os juristas eram um estamento social voltado em si e para si, com uma ideologia de diferenciação social, que se expressavam com uso de símbolos e de expressões em latim.

Uma época que a advocacia era totalmente artesanal, restrita às elites e insensível a realidade. E de fato, há certa nostalgia com esta época.

A introdução da tecnologia na área jurídica impactou frontalmente este perfil de advogado, impondo uma nova dinâmica ao serviço jurídico e expansão do contato social. Paralelamente, o aviltamento dos honorários colocou no mercado uma massa de trabalhadores jurídicos com preços acessíveis a toda sociedade.

Os humanos resistem a mudanças, é compreensível a reação da advocacia tradicional, atualmente melhor colocada no mercado, que reage instintivamente pelos seguintes motivadores:

    Receio de uma mudança que impacte a realidade financeira e abale a zona de conforto;
    Medo de se tornar obsoleto frente ás vantagens competitivas da nova advocacia;
    Mas há também, de determinados grupos e bancas, a reserva intencional de nichos do mercado jurídico. 

Esta reação se expressa até certo ponto em uma disputa de gerações. Há uma tensão geracional entre advogados, acirrada pela transformação digital.

Não me refiro aqui a nenhum advogado em específico, mas de um pensamento fixo, que paira sobre a classe tradicional da advocacia, ora na forma de medo, ora na forma de moralismo, em oposição a um pensamento com viés de crescimento.[4]

Mas a experiência prática e a sabedoria acumulada têm seu lugar e sempre serão muito valorizadas na advocacia. Os decanos sempre terão sua importância e, cedo ou tarde, todos nos tornaremos decanos.

 Além disso, há que se ressaltar que tem decanos muito inovadores, assim como jovens advogados conservadores, o que desfaz essa polêmica geracional na prática.

Mas a quarta revolução industrial mudou de fato o Judiciário e a Sociedade, exigindo o surgimento desta nova advocacia.

A explosão demográfica da advocacia dos últimos 20 anos é proposital, e resposta da elite brasileira a este alto custo dos advogados e do sistema judicial à economia.

O crescimento autorizado pelo governo no número de advogadas e advogados (sim, elas são maioria) é uma necessidade do capitalismo brasileiro. Uma estratégia para desvalorização do trabalho de uma parte da classe média, ao qual não afetou, por exemplo, a medicina e odontologia, tendo em vistas que essas classes profissionais não comprometem o movimento do capitalismo.

Trata-se de uma pressão externa da economia sobre a advocacia, e uma iniciativa governamental[2]. As grandes corporações têm a advocacia como um custo, e de fato no Brasil, um custo altíssimo, que afeta os lucros.

Para reduzir este custo é preciso aumentar ao máximo a oferta desta força de trabalho jurídica, aumentando o número de trabalhadores jurídicos. E consequentemente, os grandes escritórios armados de alta tecnologia incorporam esta massa de trabalhadores jurídicos para atuação no contencioso de massa, porém com baixos salários e limitações ao uso da capacidade intelectual.

É um emprego de linha de produção padronizada, com tarefas repetitivas e movimento de “copiar e colar mecânico”, que entope os tribunais de peças processuais manufaturadas e de má qualidade, sem real análise do caso concreto.

 Dezenas de advogados me relataram esta realidade, e o sentimento de frustração com a profissão que disso decorre, não há espaço para análise racional e uso da capacidade intelectual.[2]

Entretanto para manter os baixos salários dos advogados é preciso manter uma massa de advogados desempregados, subempregados e sem recursos suficientes para exercer a advocacia.

O desemprego e as baixas remunerações de uma grande massa de advogados são a garantia de que se o trabalhador jurídico não quiser fazer o trabalho, de pronto poderá ser substituído.

Entretanto, a advocacia encontra seus caminhos e é psicologicamente forte para reagir e se reestruturar. A advocacia digital independente e coletiva vem crescendo.

Para nascer e amadurecer, essa nova advocacia precisa tomar as rédeas do seu próprio trabalho, se unir e se tornar independente, e a semente para tudo isso acontecer é seu ofício funcionando como uma empresa. Mas não é fácil.

É na empresa que se reúnem as inteligências, os problemas a serem resolvidos e as ferramentas para tratá-los, dividem-se os papéis e responsabilidades e onde se produz e reproduz o valor com o trabalho.

O trabalho individual é limitado e pouco produtivo se comparado ao trabalho em grupo e somente na organização empresarial é que as potências do trabalho conjunto realizam seus maiores feitos.

Os maiores feitos da advocacia residem no fato de entregar um grande valor ao cliente comprador do seu serviço, a melhor solução possível para seu problema individual, melhorando sua vida pessoal, profissional ou econômica.

É muito mais eficaz realizar esta entrega trabalhando em grupo dentro de uma organização empresarial, do que sozinho e sem cooperação.

A tecnologia atual permite uma intensificação da colaboração, aliado a uma perspectiva que supere o conceito de tecnologia convencional, focada no trabalho individual oriundo do surgimento do “Personal Computer” e migrando para uma visão de Tecnologia Social, aderindo ao conceito de ORGWARE, ou seja, o software criado para as necessidades das organizações e do trabalho coletivo.

Dentro de uma perspectiva de autogestão e de organizações orgânicas que a nova advocacia precisa aderir e evoluir, para que tenha maior sensibilidade social, característica vital para a realização do seu propósito.

É preciso uma compreensão da advocacia como parte de um ecossistema social, voltado para a resolução de problemas individuais, que seja acessível para a população e ao mesmo tempo remunere os trabalhadores jurídicos de forma justa.

E esta é a advocacia que a sociedade exige atualmente e esta nossa nova geração precisa entregar: uma advocacia voltada para a humanidade e para os direitos humanos individuais, sociais, ambientais e democráticos.

É preciso constituir uma nova ética, uma ética onde os valores contemporâneos desta nova geração estejam presentes.

Uma advocacia que veja na inovação um valor a ser respeitado, que se imponha a responsabilidade por conectar os direitos aos cidadãos através da publicidade informativa sem limitações e que reconstrua o valor da justiça individual e social sobre novos alicerces.[1]

Uma advocacia bem valorizada não porque vive em busca do lucro pelo lucro, mas por ativamente buscar a realização de uma sociedade equilibrada, mais humana e ecologicamente correta.

Eduardo Koetz é advogado Especialista em Direito Previdenciário e Tributário, Sócio da Koetz Advocacia, professor da Pós Graduação na Verbo Jurídico e no Instituto Brasileiro de Direito – IBIJUS.

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