1 de set. de 2017

Um ano após o impeachment e a verdade de Dilma: O golpe é contra povo

No dia 31 de agosto de 2016, a direita conservadora e a grande mídia esperavam ver uma mulher triste, constrangida, derrotada e isolado sair do Palácio do Planalto após 61 senadores formalizarem o golpe e dar início a um período de retrocesso econômico, desmonte do Estado e de ataque às garantias e direitos individuais.

Por Dayane Santos 

Com a altivez consciente da justeza de suas condutas e a firmeza daqueles que não renegam a luta, Dilma Vana Rousseff fez um pronunciamento visionário. Cercada por lideranças dos movimentos sociais e políticas, a presidenta eleita afirmou que o golpe não foi somente contra o seu mandato, mas contra o povo e as suas conquistas.

Passados apenas um ano, seu pronunciamento se concretiza: é golpe. A imprensa tentou desqualificar tal constatação da realidade, dizendo que se tratava apenas de um processo jurídico por conta de supostas "pedaladas fiscais" para pagar - vejam só - programas sociais.

O pronuncimento de Dilma apontando quais os resultados do golpe não se tratava de vidência ou coisa que o valha, mas de conhecimento da realidade e consciência política de que estava diante de um golpe, uma ação orquestrada por forças alheias aos interesses nacionais e democráticos.

"O projeto nacional progressista, inclusivo e democrático que represento está sendo interrompido por uma poderosa força conservadora e reacionária, com o apoio de uma imprensa facciosa e venal. Vão capturar as instituições do Estado para colocá-las a serviço do mais radical liberalismo econômico e do retrocesso social", disse a presidenta em seu pronunciamento em agosto do ano passado.
Sem dúvida, a mídia cumpriu papel decisivo na construção do golpe. Assim como em outros momentos da história, a mídia, em particular a Rede Globo, atuou diretamente na construção e manobras do golpe. A ação foi tão escancarada que a mídia internacional foi responsável pela denúncia internacional do golpe, apontando a caça às bruxas promovida pela Globo e parte do Judiciário, que espetacularizava ações com base em delações sem provas, que hoje são desconsideradas, mas que na época serviram para ocupar as manchetes de jornais e "reportagens" de TV e rádio.

Para o jornalista e professor aposentado da USP Laurindo Lalo Leal Filho, o papel da mídia foi decisivo na construção do golpe e a presidenta Dilma Rousseff fez bem em mencioná-la no seu pronunciamento ao deixar o Palácio.

"Foram os meios de comunicação que convocaram a população a ir às ruas pedir o impeachment numa ação conjunta, onde não cabiam vozes dissonantes. Nem em 1964 viu-se um discurso midiático tão homogêneo como em 2016. Contra o golpe militar ainda havia, entre outros, a Última Hora. Desta vez, no golpe parlamentar, nem isso", lembrou o professor.


Lalo destacou ainda que, no discurso, Dilma alertou para a captura "das instituições do Estado para colocá-las a serviço do mais radical liberalismo econômico e do retrocesso social", o que acabou realmente ocorrendo.


"E nesse ponto é necessário lembrar que ainda antes do golpe editoriais da imprensa tradicional e analistas no rádio e na televisão já defendiam, sem qualquer contraponto, a destruição do incipiente projeto de um Estado de bem-estar social, construído nos governos dela e do ex-presidente Lula", frisou ele.

Lalo, no entanto, advertiu que parte dessa situação de violação por parte da mídia brasileira foi resultado "da falta de uma política que regulasse o uso dos canais de rádio e TV, com a implantação de uma lei de meios capaz de abrir espaços para vozes independentes, não comprometidas com o retrocesso político e social, articuladoras simbólicas do golpe. Que fique a lição para o futuro".

Impeachment sem crime de responsabilidade

Sobre o processo de impeachment, Dilma afirmou em seu pronunciamento na época que se tratou de uma "injustiça", pois o seu afastamento foi aprovado sem que houvesse crime de responsabilidade.

"O Senado Federal tomou uma decisão que entra para a história das grandes injustiças. Os senadores que votaram pelo impeachment escolheram rasgar a Constituição Federal. Decidiram pela interrupção do mandato de uma Presidenta que não cometeu crime de responsabilidade. Condenaram uma inocente e consumaram um golpe parlamentar", disse ela.


O jurista Thomas Bustamante, professor de Filosofia do Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concorda com Dilma. "Está muito claro para qualquer pessoa que tenha participado do processo ou que tenha acompanhado que não tem nada que se aproxime de crime de responsabilidade, a menos que a gente redefina o crime de responsabilidade como se fosse um voto de desconfiança parlamentarista", disse Thomas.


No discurso, Dilma afirmou que saia da Presidência como entrou: "sem ter incorrido em qualquer ato ilícito; sem ter traído qualquer de meus compromissos; com dignidade e carregando no peito o mesmo amor e admiração pelas brasileiras e brasileiros e a mesma vontade de continuar lutando pelo Brasil".

"Se trata de um crime fabricado. Não acredito que haja algum senador ingênuo suficiente para ter dúvida sobre isso. Não é uma tendência apenas no Brasil. Acho que na América Latina, depois que começou a ficar constrangedora a presença de tanques nas ruas, baionetas e de violência física para a destituição de governos legítimos, se começou a utilizar esse tipo de retórica, esse tipo de expediente como se a observância de um rito fosse suficiente para garantir a legitimidade de um julgamento", pontuou o jurista.

Em discurso na tribuna do Senado, nesta quinta-feira (31), a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), afirmou comparou as "denúncias" apresentadas contra Dilma e as provas contra Michel Temer. "Pela primeira vez na história da República, um Presidente da República foi acusado de crime comum, como o foi o Sr. Michel Temer, que, com provas fartas, com provas claras, foi denunciado pelo Ministério Público Federal", lembrou a senadora, afirmando que Temer se "safou" da denúncia "torrando R$ 14 bilhões" em emendas parlamentares.

"Uma das principais causas para o golpe foi o agravamento da crise econômica. Um ano depois, os indicadores apontam que a economia não só patina, mas ela piora. O desemprego não parou de crescer. Apesar de o Caged registrar saldo positivo de postos de trabalho em fevereiro, a taxa de desocupação segue em alta. No trimestre encerrado em fevereiro, o indicador chegou a 13,2%. Isso significa quase 14 milhões de brasileiros e brasileiras desempregados. Os números da atividade econômica mostram que a recessão permanece: o IBC-Br, considerado uma prévia do PIB, iniciou 2017 com queda de 0,26%", frisou.

Golpistas não passarão!

Em 2016, a presidenta eleita apontou o viés conservador e direitista do golpe. "O golpe é contra os movimentos sociais e sindicais e contra os que lutam por direitos em todas as suas acepções: direito ao trabalho e à proteção de leis trabalhistas; direito a uma aposentadoria justa; direito à moradia e à terra; direito à educação, à saúde e à cultura; direito aos jovens de protagonizarem sua história; direitos dos negros, dos indígenas, da população LGBT, das mulheres; direito de se manifestar sem ser reprimido. O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência", salientou.

Em entrevista ao Portal Vermelho, lideranças dos movimentos sociais apontaram que a agenda de cortes de investimentos e programas sociais do governo Michel Temer atingem diretamente a população mais pobre, principalmente mulheres, jovens e negros.

“Quem é o principal público do bolsa-família? São as mulheres negras. O principal público atendido pelo Minha Casa, Minha Vida? As mulheres. Esse governo está fuzilando a possibilidade de igualdade social e autonomia das mulheres brasileiras”, disse Mariana Venturini, vice-presidenta da União Brasileira de Mulheres (UBM).

“Em pouco tempo nós tivemos profundos retrocessos com a revogação da CLT, a ameaça contínua sobre a aposentaria dos trabalhadores e, principalmente, com o absurdo do congelamento dos gastos sociais por 20 anos, formando um conjunto de medidas antipopulares que deixou claro que esse impeachment era um golpe contra os trabalhadores e os brasileiros”, disse Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Voltaremos


Além do caráter de denúncia e enfrentamento ao golpe, o pronunciamento da presidenta Dilma foi de resistência e apontar a direção da luta para derrotar o golpe.


"Ouçam bem: eles pensam que nos venceram, mas estão enganados. Sei que todos vamos lutar. Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer", enfatizou.

Não há dúvida de que a democracia brasileira foi frontalmente atingida. Com um governo ilegítimo, sem voto e com reprovação popular recorde, o país vive um estado de exceção em plena democracia, com restrições de direitos, repressão contra trabalhadores, estudantes e o assassinato de camponeses e índios.

"Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano", disse Dilma em 2016, propondo a união em defesa de causas comuns a todos os progressistas, independentemente de filiação partidária ou posição política.

"Neste momento, não direi adeus a vocês. Tenho certeza de que posso dizer até daqui a pouco", finalizou. 

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