24 de nov. de 2017

Reforma reduz valor das aposentadorias e afeta consumo das famílias

A Reforma da Previdência proposta pelo governo Michel Temer não só tornará muito mais difícil o acesso ao benefício, como reduzirá o valor das aposentadorias, com impactos sobre a economia do país. De acordo com a economista Denise Gentil, professora da UFRJ, as alterações, associadas à precarização no mercado de trabalho, provocarão queda no consumo das famílias. “O impacto disso sobre o PIB vai ser brutal”, disse ao Portal Vermelho.

Por Joana Rozowykwiat no Portal Vermelho

Denise apontou que o novo projeto de Reforma da Previdência apresentado pelo governo tira dinheiro do trabalhador aposentado de duas formas. Primeiro, porque propõe uma mudança no cálculo. Hoje, ao computar a média dos rendimentos, o INSS descarta os 20% que equivalem aos salários mais baixos do ciclo de contribuição do trabalhador. Pelas novas regras, será considerada a média total dos rendimentos, incluindo os salários mais baixos, o que já derrubará o valor do benefício.

Além disso, o texto estabelece um tempo mínimo de contribuição de 15 anos, para que seja possível se aposentar. Mas esse tempo mínimo dá direito a apenas 60% do valor do benefício. Para ter a aposentadoria integral, o trabalhador precisará contribuir por 40 anos.

Trata-se de uma exigência muito distante da atual realidade brasileira. De acordo com o economista André Calixtre, o tempo médio de contribuição no país, hoje, é de 18 a 20 anos. Diante desse cenário, poucas pessoas conseguirão receber o salário integral. A nova regra, portanto, deverá jogar para baixo os valores dos benefícios. 

“Vai ser muito difícil alcançar até mesmo essas condições mínimas, os 65 anos de idade combinados com os 15 de contribuição. E o maior transtorno é a queda no valor das aposentadorias, que será enorme”, avaliou Denise. 

Segundo ela, a perda deve ser de 25 pontos percentuais. “A reforma coloca um patamar inicial que é de 60% do valor do benefício. Hoje, esse patamar é de 85% dos salários. Você vai ter uma queda de 25 pontos percentuais no valor das aposentadorias, além da mudança no cálculo. Então cai duas vezes o valor do benefício. Isso é muito grave”, criticou. 

De onde vai vir o consumo?

A professora destacou as consequências disso para a economia do país. A redução do benefício significará menos dinheiro no bolso do aposentado e, portanto, queda no consumo das famílias – que, de acordo com o IBGE, representa 60% do PIB brasileiro. Se as famílias não têm como consumir, não há demanda para produtos e serviços, o que afeta diretamente a atividade econômica. 

“Uma boa pergunta para fazer aos congressistas é: de onde eles acham que vai vir o consumo da sociedade? Porque os salários vão diminuir drasticamente com a reforma trabalhista. Agora há possibilidade de receber abaixo do salário mínimo. As aposentadorias vão cair em 25 pontos percentuais. De onde vai vir o consumo? ”, provocou Denise.

Na sua avaliação, o impacto recessivo das reformas trabalhista e da Previdência não foi calculado pelo governo federal. “Eles acham que vão reduzir custos, mas vão reduzir mais ainda a receita. A receita de tributos vai cair muito no país. É um absurdo”, declarou.

Famílias empobrecidas

Denise Gentil também condenou a proposta que alteras as regras para concessão de pensões. A reforma de Temer cria um limite de dois salários mínimos para quem acumular os benefícios de pensão por morte e aposentadoria. O texto também define que a pensão deixa de ser integral, passando a 50% do valor do benefício do segurado falecido mais 10% por dependente.

“Isso vai provocar o empobrecimento das famílias. É uma irresponsabilidade, um prejuízo financeiro enorme, especialmente para as famílias que têm crianças e adolescentes. A regra estabelece o limite de dois salários mínimos, que é muito pouco, é um escândalo. Eles poderiam ter deixado esse limite em cinco, seis salários. Porque dois salários mínimos não asseguram saúde, educação, alimentação, habitação em condições dignas para nenhuma família viver”, defendeu. 

Estimativa de economia “é puro chute”

Na última quarta-feira (22), o ministro da fazenda, Henrique Meirelles, anunciou que, com o novo texto, a reforma iria garantir aos cofres públicos uma economia de 60% em relação ao projeto original. Como a primeira versão previa um corte de R$793 bilhões nos gastos do governo, o ministro espera então poupar R$476 bilhões, caso as mudanças na Previdência sejam aprovadas.

Os números, contudo, são imprecisos. Por meio de sua assessoria, o ministério informou à Folha de S.Paulo que o valor divulgado por Meirelles não contempla o regime próprio dos servidores públicos. Não se sabe, contudo, a razão. Procurada pelo jornal paulista, a Secretaria da Previdência, responsável pelos cálculos, não quis detalhar os dados. 

Denise Gentil defende que tudo não passa de um “chute” do governo. De acordo com ela, o modelo atuarial a partir do qual são feitas as projeções da Previdência é falho. Divulgado em março, o estudo “A Previdência Social em 2060: as inconsistências do modelo de projeção atuarial do governo brasileiro”, do qual a economista participou, identificou que os instrumentos e métodos utilizados para o cálculo dos resultados previdenciários do governo não são “minimamente confiáveis”.

“Isso tudo que o governo está prevendo de economia é puro chute. O modelo atuarial do governo é incapaz de fazer projeções para o futuro. E o governo usa esses números para pressionar a sociedade. Não há sequer os microdados necessários, não existem números suficientes que permitam uma simulação. Seria muito interessante eles mostrarem os dados de como chegaram nesse cálculo de economia. Porque eles não demonstram? ”, questionou.

Idade única para país diverso

De acordo com a reforma de Temer, além do tempo mínimo de contribuição, para requerer o benefício, é exigida a idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. O texto prevê a adoção progressiva dessa regra até 2036. Hoje, é possível se aposentar por idade ou por tempo de contribuição. 

Para a economista da UFRJ, não se trata de uma idade mínima, mas de uma “idade única” , que desconsidera as desigualdades de um país continental. “Como você estabelece uma idade única para um país desse tamanho, supondo que as condições de trabalho para o país inteiro são as mesmas? É uma loucura. É condenar à pobreza algumas regiões. O Nordeste, provavelmente, será a região mais atingida, porque as expectativas de vida e de sobrevida lá são mais baixas e as condições do mercado de trabalho são inferiores”

Segundo Denise, a reforma vai gerar situações em que os trabalhadores que contribuem para a Previdência não conseguirão se aposentar. “O projeto poderia considerar uma idade mínima flexível, a depender das condições de trabalho, da região, da expectativa de vida e sobrevida, e não tomar tudo como uma média nacional. Desconsiderar a nossa heterogeneidade é um erro”, opinou.

Ela afirmou que, na Europa, por exemplo, existe uma idade mínima e uma idade de referência para requerer a aposentadoria. “As pessoas podem se aposentar antes da idade mínima, com um valor inferior. Só adquirem a integralidade aos 65. Aqui não vai haver essa opção. E mesmo com 65 anos, o trabalhador não vai receber o valor integral”, comparou.

A professora classificou como “lamentável” o processo de desmonte do Estado brasileiro, que o atual governo leva adiante, amparado em um discurso fiscalista. “Estão destruindo uma sociedade inteira. E não vão resolver o problema fiscal brasileiro. Se você diminui um pouco os gastos, mas comprime significativamente as receitas, é muito provável que o déficit na verdade se aprofunde. É esse cálculo que o governo não quer mostrar. Ele mostra a economia nos custos, mas não mostra o que pode vir de queda de receitas. Esse é o cálculo que a gente queria ver”, encerrou.

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