Festival é acusado de censurar filme porque contraria interesses políticos
Os cineastas Aluízio de Azevedo e Glória Albuez, conhecida como Glorinha no meio artístico, acusam a organização do Festival Mato-grossense de Cinema e Vídeo de ter vetado o documentário “Manoel Chiquitano Brasileiro” porque a obra contraria interesses de patrocinadores e políticos, dentre eles o cacique do PSD, deputado estadual José Riva.
Acontece que a obra aborda questões polêmicas que, segundo ele, vão contra interesse da classe política, que representa a classe produtora e pecuaristas. Já o festival mato-grossense tem como seu principal patrocinador a secretaria de Estado de Cultura, sob Janete Riva, esposa do deputado. A pasta doou R$ 400 mil para a realização evento.
A organização do evento, por sua vez, nega qualquer tipo de censura ou ataque à liberdade de expressão, garante que o festival não se furta a nenhum tema, inclusive, cita que houve a inscrição e exibição de inúmeras outras obras que abordam outras mazelas. "A acusação não procede porque há 19 anos este festival de cinema possui um regulamento que estabelece que há apenas duas formas de participar da competitiva que é a convite da organização - como sempre ocorreu com os longas metragens - ou através da seleção que é feita por meio de edital amplamente divulgado na imprensa", diz trecho da nota encaminhada pela organização do festival.
Aluízio e Glorinha são os criadores da produção audiovisual que foi, inclusive, premiada nacionalmente. A obra foi selecionada entre os 15 melhores roteiros em um universo de 890 filmes inscritos no festival nacional Etnodoc. O filme revela o drama de índios Chiquitanos, que vivem na fronteira do Brasil com a Bolívia, lutando com fazendeiros para manter o seu território.
O filme também faz remorar antigas denúncias de falhas no zoneamento socioeconômico ecológico do Estado feito pela Assembleia e pelo Governo estadual. Isso porque o documentário exibe falas de políticos como Riva, Zeca D’Ávilla e ex-governador Blairo Maggi (PR) negando que na região exista habitação de índios e/ou quilombolas. Os depoimentos das figuras políticas são contrastados com as imagens e a história do índio Manoel Chiquitano Brasileiro.
Antigas denúncias de estudiosos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) evidenciam também que o zoneamento ignorou estudo científico da universidade sobre a existência dessas comunidades indígenas no local.
Os criadores do documentário explicam que a censura ocorreu de forma velada. O organizador do festival, cineasta Luiz Borges, teria criado empecilhos de última hora para dificultar a inscrição da obra e assim não desagradar o principal patrocinador do evento. A organização, por sua vez, garante que não houve censura. Cita como exemplo os filmes “Buraco: A Herança do Diamante” do diretor Gian Piero Barozzi, que mostra os danos que a extração do diamante causou em Poxoréu. Além do longa metragem “Avaeté” do diretor Zelito Viana, que apresenta o massacre dos índios Cinta Larga na região de Forquilha onde hoje é o município de Juína.
O maior obstáculo, conforme Aluísio, foi a criação da regra que restringe de 25 para 20 minutos o tamanho das obras curta metragem aptas a concorrer. Ele reclama que este critério é válido apenas para as produções locais e não nacionais. Ele reforça ainda que a regra contraria o consenso existente em todos os festivais do país que definem o tempo de 25 minutos para um curta metragem. Também argumenta estranhar o fato de no catálogo do festival, na mostra competitiva de curtas, aparecer dois filmes com tempo superior aos 20 minutos exigidos do edital. Um deles é “O Florista” com 23 minutos e o outro é “O Ser Tão Cinzento”, com 25 minutos.
Em artigo, Glória Albuez fala que os organizadores do evento criaram táticas obscuras para vetar a obra e desafia a organização do festival a exibir o filme no último dia do festival, mesmo que em mostra não competitiva, para provar que nunca existiu censura. A organização reconhece que, no catálogo, o filme “O Florista” aparece com 23 minutos, mas garante que a obra tem apenas 18 minutos e que houve um erro dos produtores no registro do tempo/minutagem. A organização sustenta ainda que seria injusto com os outros 34 inscritos, que passaram por um processo normal de seleção, se nesta altura do campeonato o festival exibisse o documentário “Manoel Chiquitano Brasileiro”, que nem chegou a ser inscrito.
Quem são os Chiquitanos
O povo Chiquitano foi constituído a partir de uma mistura de grupos indígenas aldeados no século XVII pelas missões jesuíticas. Foram compulsoriamente envolvidos em conflitos políticos e diferenças culturais decorrentes de uma divisão territorial que não lhes dizia respeito. A grande maioria desse povo está na Bolívia. Os que moram no Brasil têm sido explorados como mão-de-obra barata por fazendeiros, os quais também representam uma ameaça constante de invasão aos poucos territórios que lhes restam. Mas os Chiquitano têm lutado pelo direito à uma Terra Indígena, que está em processo de identificação pela Funai e que poderá assegurar a continuidade de sua identidade cultural.
No Brasil, os Chiquitano vivem no estado do Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia, nos municípios de Vila Bela, Cáceres e Porto Espiridião. Na Bolívia, localizam-se no departamento de Santa Cruz, nas províncias Nuflo de Chaves, Velasco, Chiquitos e Sandoval.
Após o inicio das atividades jesuítas na Missão Chiquitos em dezembro de 1691, com o pedido dos indígenas que estavam sendo invadidos e levados para as fazendas de São Paulo, de acordo com o antropólogo Aloir Pacini
"O tempo da Missão de Chiquitos (1691-1767) é percebido pelos Chiquitanos como um mito de fundação, ou seja, um tempo idealizado de grande fecundidade, uma espécie de mito de origem dos Chiquitanos em diversas etnias que passaram a viver juntas com artes e estéticas próprias no trato com o diferente, na música, na escultura, na pintura, na devoção aos santos. Tais aspectos que foram incorporados pelos Chiquitanos já fazem parte intrínseca das manifestações étnicas acionadas por eles como sinais diacríticos na construção de suas identidades e territórios.
Não é certo, porém é provável que os Chiquitano que aqui vivem no Brasil possivelmente falem o chiquito, língua falada pelos Chiquitano na Bolívia. Essa premissa parte do confronto de diversos vocábulos comparados de ambos lados da fronteira que assumem equivalência levando a crer que o chiquito seria a língua chiquitana.
Elementos culturais que permitem pensá-los como um povo são o uso e a confecção de redes, o uso e ou fabrico de potes de cerâmica para armazenar água, o uso de cochos de madeira, recipientes para a chicha - bebida fermentada feita a partir da mandioca ou do milho, a estrutura e material utilizado para construir as casas - em geral com um terraço central que divide a casa em duas, também amplamente observada nos lugarejos bolivianos próximos à fronteira - e festas ligadas aos santos dos missionários.
Segundo o Antropólogo Aloir Pacini, "As diferentes etnias que habitavam o oriente do império espanhol na América Latina, divisa dos atuais estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso (na região entre o Chaco Paraguaio e a Missão de Mojos), entraram para formar as diferentes cidades santuários desta Mission conduzida pelos jesuítas até que estes foram expulsos. Mesmo com a entrada de novos administradores vindos de Santa Cruz de la Sierra, esta região de Chiquitos não tinha grande interesse econômico. Por isso os pueblos misionales permaneceram no meio da selva e do cerrado, um tanto abandonados até a segunda metade do século XX.
Os Chiquitanos continuam a habitar esta vasta região das terras baixas da Bolívia, desde o rio Guapay ou rio Grande até parte destas terras que ficaram no Brasil com os tratados entre os Impérios e, depois, entre as Repúblicas."
Atualmente esse povo é encontrado em sua grande maioria na Bolívia, e os poucos encontrados no Brasil vem sendo explorados como mão de obra escrava por fazendeiros, mas os chiquitanos brasileiros tem lutado pelo direito a uma terra indígena que está em processo de identificação pela FUNAI.
fonte http://www.rdnews.com.br/
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