7 de nov. de 2014

Para Superar o Preconceito

Um passo é o suficiente para não estarmos no mesmo ponto. Por vezes, não nos percebemos em movimento. 

De Brasília
Iberê Lopes
Para o Blog do Arretadinho

Mas, tudo vai indo para o seu canto com o tempo. O caminho vai nos mostrando aos poucos a verdade que precisamos compreender. E os ensinamentos de cada gesto nosso com as pessoas e dos outros em nossa direção refletem depois em uma lição. Se estivermos atentos podemos dar o salto necessário para a emancipação.

Certa vez, no intervalo dos meus estudos na faculdade, sentei ao lado de um senhor desconhecido. Lentamente ele sacou um cigarro de palha do bolso e acendeu. Como se fosse deixar os problemas de lado, Bento, soltou a fumaça no ar e começou a me contar uma parte de sua sina. Veja bem, meu jovem, abriu a fala o cidadão de roupas simples, olhar profundo e pele negra e iluminada como a noite. Disse assim: percorri alguns desses caminhos que hoje as pessoas passam apressadas. Não foi fácil adquirir a tolerância necessária para a sobrevivência.

Em muitas situações, apontou meu novo amigo, percebia os olhares preconceituosos, raivosos até, pela condição que havia alcançado. Ser universitário afrodescendente em um ambiente de elite não foi tarefa simples. O que me fez vencer foi entender que seríamos diferentes em muitos gostos e oportunidades. Mas, naquela circunstância não éramos desiguais. Cabia à mim tornar a chance numa escada para crescer. Do jeito que chegou Bento se foi, sem que tivesse como comentar. Fiquei refletindo com meus botões.

Parte do que pensei está aqui. Não em etapas metódicas que podem enriquecer materialmente qualquer trajetória. Quero, despretensiosamente, tocar o espírito de quem se dedicou nessa leitura.

Quero sugerir o afeto consigo para que aconteça internamente com todos a mágica de encontrar o que se é de fato. Uma abertura ao próprio destino para os que se perderam em alguma curva da vida. Deixar que esses caminhos, que parecem tortos e cheios de tropeços, venham acompanhados de um simples ato de disposição. Tornar o bom ânimo, a esperança e a paciência atitudes cotidianas.

Nessa página ficará o relato do meu encontro com uma mulher adorável. Ela me ensinou a superação das próprias dores físicas. Mesmo com as pernas trêmulas e inseguras nunca deixou de sorrir para todos. Iluminava à qualquer tempo, com poucas e profundas palavras, a travessia dos que lhe pediam ajuda.

Maria tinha um resquício da cartilagem presente na articulação dos joelhos. Sofria por não conseguir movimentar-se vez ou outra. Mas, sempre estava pronta e de braços abertos para os que precisassem de atenção. Recebia à todos assim, na cama ou sentada em um banquinho de madeira branco. Confortando as desilusões amorosas, curando feridas da alma e distribuindo rosas aos mais chorosos. Promovia, com seu exemplo de caridade, verdadeiras revoluções em corações para lá de partidos.

Mudanças internas, para serem duradouras, se fazem vagarosamente. É preciso ter a capacidade de ouvir e sentir as mensagens que nos façam mudar de ideia pela estrada. Descomplicando um pouco de tudo que parece nos impedir de andar.

Já posso afirmar que, nessas ocasiões, os lugares não fazem tanta diferença se o peito estiver fechado. Perdi o número de vezes que coloquei meus discos, poesias, livros e dores numa mala. Saindo por aí, ao sabor do vento. Sem abandonar o juízo, nem os sonhos mais íntimos, aprendi um bocado. Conheci amores improváveis, histórias incríveis e pessoas inimagináveis.

Como não pretendo cansar a visão de quem me lê com resignação, tenho algo pequeno para acrescentar. Viver é perigoso, por isso é preciso cuidado e vigilância permanente. Corremos o sério risco, diariamente, de sermos imensamente amados, acalentados em nossas lágrimas sinceras. Recebendo de onde menos esperamos uma centelha que aquece.

Tive perto de mim duas criaturas fantásticas. Quando se aproximava a tristeza da fome, sem pedir nada em troca, Antônio e Jussara - meus "pais" nordestinos - preparavam suas mãos para uma carícia reconfortante. Dividiam mais do que alimento, compartilhávamos partes dos sonhos e dificuldades. Pessoas humildes de tudo, com uma força incalculável em seus atos. Diminuíam as minhas angustias com sua simplicidade gigantesca. Talvez nem imaginassem, por não medir o amor ofertado, o quanto apaziguavam as emoções dos que buscam o colo de sua bondade. E assim nos envolvíamos em luz calma apontando o futuro.

Mantive intacto, graças aos modelos e vivências, um querer bem todas as possibilidades, um afago na alma preenchido de experiências únicas. E posso dizer que valeu os minutos e segundos atropelados pelo acaso e acompanhados pela determinação de ser feliz. Sempre deixando claro o valor da liberdade de rever os passos, seguindo em frente. E assim vai minha sugestão diária para todos. Experimente ininterruptamente, sem preconceito, viver.

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