14 de jan. de 2015

Je suis pour la paix - por Iberê Lopes

Quando entrei na sala os corpos estavam dispostos uns sobre os outros. 
O sangue marcando as paredes descreviam as mãos em agonia. 

De Brasília
Iberê Lopes
Para o Blog do Arretadinho

Ainda era possível escutar os gritos ecoando ao longe. As balas atravessaram a compaixão concreta, fizeram suas primeiras vítimas. Transformando em medo o que um dia foi liberdade.

Pequeninos feito anjos, lavados de um vermelho rubro que os tornava irreconhecíveis. Próximo da janela em madeira, descascada pelo tempo, o sol arriscava entrar. Debruçando a luz sobre uma menina, cintilando seus olhos trêmulos. Ainda respirava.

Caminhei devagar para não pisar em ninguém. Haviam muitas crianças no local. E os escombros, do que seria uma escola antiga, dificultavam a passagem. Consegui chegar perto e estendi a mão, oferecendo ajuda. Não se mexa, eu vou te ajudar - sussurrei sem saber o real estado dela. Perguntei seu nome. Ela me olhou fixamente e disse: Igualdade.

Estava de bruços, e as costas cortadas pelos estilhaços de vidro. Passei os braços por seu ventre e a virei com delicadeza. Fraca e desnutrida, conseguia sentir seus ossos na ponta dos meus dedos. Enquanto a colocava em meu colo não contive as lágrimas. Pensei em como o mundo chegou neste abismo de ceifar a vida de inocentes por um pedaço de terra.

Ao sair, Igualdade, com a voz embargada e desmaiando, suplicou: me deixe aqui e busque minhas irmãs. Salve a vida delas, por favor senhor. Estou morrendo, não há mais o que fazer. As duas estão seguras debaixo da pia, no refeitório. 

Deitei com cuidado seu frágil e franzino corpo no asfalto. Foi possível escutar seu último sopro, buscando o ar no céu em chumbo e azul claro. 

Encontrei duas lindas menininhas de joelhos, orando bem baixinho pela alma dos pais. Imaginavam que, em breve, se juntariam a eles. As reconheci logo, seriam as filhas dos meus vizinhos, Dignidade e Amor. 

Foram deixadas em um orfanato quando Amor foi assassinado por Egoísmo. Dois tiros certeiros levaram embora um homem de coração puro, extremamente afetuoso. Um ano depois Dignidade enlouqueceu, e dizem que vendia favores sexuais no mercado. 

Com as roupas rasgadas e bem debilitadas, esboçaram um sorriso com meu gesto, renascendo pelas minhas mãos. Acariciaram meu rosto como quem agradecesse o milagre. Avistamos a saída. Sentamos no que sobrou da calçada coberta de poeira. 

Do outro lado da rua, minha esposa, Paz, acenou emocionada por me ver. Chorou e nos abraçou calorosamente quando percebeu que estavam diante de nós Esperança e Humanidade. 

Continua...

JE SUIS POUR LA PAIX - por Iberê Lopes 14/01/2015

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