Cresce a intolerância em Israel
Os israelenses dizem que todos deveriam se preocupar com o protagonismo que religiosos fundamentalistas vão ganhando em países vizinhos, mas eles próprios convivem com comportamentos de intolerância e segregação
De tempos em tempos ouvem-se notícias vindas de Israel, que mostram que a intolerância cresce. História exemplar, nesse sentido, de pouco mais de um ano, falava de israelenses, homens ultra-ortodoxos da comunidade de Beit Shemesh, que cuspiram numa menina de oito anos e a chamaram de prostituta, porque o discreto vestido da menina não era discreto o suficiente que os satisfizesse.
O primeiro pensamento que ocorre nesses casos é o quanto essa atitude é notavelmente semelhante à atitude de intolerância equivalente que se vê em outros religiosos fundamentalistas, inclusive nos países árabes vizinhos de Israel. O que se vê é um idêntico esforço para impor preferências sectárias em sociedade mais ampla. E a mesma discriminação de gênero, que se vê em outras práticas para subjugar e constranger mulheres.
A alta taxa de natalidade entre os ultra ortodoxos – e o consequente aumento no peso demográfico e político desses grupos – subjaz ao crescimento da intolerância em Israel. Mas há mais do que isso; num Estado que define a própria existência em termos de religião única ou etnia ou raça pressuposta superior às demais. Essa definição implica que haja em Israel cidadãos de segunda classe, conforme a religião que professem, mas implica também que o poder do Estado está empenhado em alcançar objetivos sectários, que se aplicam contra qualquer um que tente expor a natureza dessa dominação religiosa e da religião dominante.
Esse mesmo poder do Estado israelense, que não se via muito evidente no incidente da agressão a uma menina pequena, vê-se muito mais claramente em incidente dessa semana, junto ao Muro Ocidental. Dez mulheres, entre as quais duas rabinas nascidas nos EUA, foram presas pela polícia de Israel por estarem rezando naquele local usando véus de oração tradicionalmente usados por homens.
Não se tratava de manifestação de mulheres, nem havia qualquer ameaça à paz. Haverá quem se sinta indignado por alguém não poder rezar onde bem entenda, nem mesmo uma rabina, num local sagrado dos judeus. Mas muito mais indignação causa que a polícia, mantida por dinheiro público, aja de modo tão fortemente intolerante.
Esse incidente e outros levam a duas outras observações. Primeiro, para chamar a atenção para a ironia da semelhança no comportamento de religiosos fundamentalistas em Israel e em países de maioria muçulmana. Israel hoje se cercou dentro de muros para manter-se separada dos países vizinhos, mas age com a mesma horrível intolerância contra seus próprios cidadãos.
Os israelenses dizem que todos deveríamos nos preocupar com o protagonismo político que religiosos fundamentalistas vão ganhando em países vizinhos, por exemplo, no Egito. E, enquanto falam, o que se vê é os próprios israelenses apanhados também em comportamento de intolerância e segregação, apoiados pelo poder do Estado ou acobertados pelo poder do Estado, em tudo idêntico ao comportamento de outros fundamentalistas.
A segunda observação é que essa identidade de Israel com um dos aspectos mais ignóbeis da vida no Oriente Médio é aspecto importante de uma divergência crucial entre Israel e os valores da superpotência patrocinadora de Israel, os EUA. A noção de valores partilhados sempre foi a base de qualquer argumento para justificar o extraordinário patrocínio que os EUA garantem a Israel.
Essa noção jamais foi consistente, e tem, a cada dia, menos credibilidade. Uma das discrepâncias básicas está em um Estado dessa “parceria” definir-se em termos de uma religião; e o outro definir-se a partir da separação entre Igreja e Estado.
Claro, há fundamentalistas também nos EUA que trabalham para esvaziar essa separação, por exemplo, controlando o conteúdo de livros escolares; e empregadores cujas crenças religiosas determinam a relação com os empregados e que tentam modelar as leis nacionais, por exemplo, de atendimento público e saúde, também segundo suas crenças religiosas; houve até um candidato, católico fervoroso (Rick Santorum) que misturou tudo, até, em campanha eleitoral à presidência, ano passado. Mas, seja como for, a separação entre Igreja e Estado ainda é vigente nos EUA.
Mês passado, uma corte federal em Minnesota reafirmou a vigência da Primeira Emenda, ao rejeitar ação para decidir se os cachorros-quentes marca Hebrew National seriam kosher ou não. Não é assunto a ser decidido por corte federal – decidiu a corte, muito corretamente. Decidir se cachorros-quentes são kosher ou não é serviço dos rabinos nas entidades do setor privado que certificam essas coisas. Nos EUA, a kosheridade de cachorros quentes – como o chale de oração que alguém decida usar ou não usar – não é assunto para juízes, polícia ou qualquer funcionário pago com dinheiro público.
A liberdade de imprensa é outra das liberdades asseguradas pela Primeira Emenda, em relação à qual não há qualquer convergência significativa entre Israel e os EUA. Nesse quesito há também uma ironia: há discussão mais livre em Israel, inclusive na imprensa israelense, que nos EUA, sobre questões básicas do governo de Israel e suas relações com os EUA.
Mas em muitos outros temas, o censor militar em Israel restringe pesadamente o que pode ser noticiado – como se comprovou essa semana, em matéria sobre um “Prisioneiro X” que morreu misteriosamente numa prisão de segurança máxima em Israel. Segundo o índice de liberdade de imprensa calculado pela ONG Repórteres sem Fronteiras, Israel aparece em 112º lugar, entre 179 países em todo o mundo. Os EUA aparecem em 32º.
Há também a questão da igualdade de gêneros. No EUA, o status das mulheres melhorou, pelo menos desde a aprovação da 19ª Emenda. Sob vários aspectos, as mulheres israelenses vivem em relações de mais igualdade com os homens que em muitos outros países, mas, sob o impacto crescente do fundamentalismo judeu em questões de gênero, difícil garantir que as tendências atuais nesse campo, em Israel, tomem rumo semelhante ao que vão tomando nos EUA.
Por fim, a questão na qual se observa a maior divergência, e que concerne a direitos políticos iguais para todos, sem qualquer consideração de religião ou etnia. Sim, também há, nos EUA, os que tentam confundir tudo, trabalhando para dificultar, para segmentos da população, o exercício do voto. Mas nos EUA não há coisa alguma que se compare, nem remotamente, à absoluta negação de direitos políticos a grupos étnicos inteiros, a populações inteiras, como se vê acontecer hoje, no território controlado por Israel.
Por Paul R. Pillar, Consortium News, em “Israel’s Growing Intolerance" . Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu para redecastorphoto.
Via Revista Forum
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